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    Crítica: Tradução de 'Beowulf' revela maestria narrativa de Tolkien

    REINALDO JOSÉ LOPES
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    14/06/2014 02h10

    Antes de ganhar fama com "O Senhor dos Anéis", o filólogo britânico J.R.R. Tolkien (1892-1973) tinha construído uma reputação como medievalista da Universidade de Oxford, graças, em grande parte, a um estudo de 1936 sobre o poema épico "Beowulf", escrito há mais de mil anos em anglo-saxão (inglês antigo).

    Entre os anos 1920 e 1940, Tolkien também traduziu a obra para o inglês moderno, texto que chega às livrarias.

    "Beowulf: A Translation and Commentary" (Beowulf: tradução e comentário) talvez seja decepcionante para o leitor que ainda não teve contato com o épico medieval, já que está em prosa —e, por vezes, não muito fluente.

    A questão é que o "Beowulf" original usa uma métrica rígida, a rima aliterativa anglo-saxã, que depende, entre outras coisas, da repetição dos mesmos sons de consoantes nas sílabas tônicas das palavras de cada verso.

    Esses e outros requisitos tornam a tradução uma tarefa desafiadora, caso a ideia seja reproduzir o sabor do original -o próprio Tolkien foi derrotado ao tentar, conseguindo verter só algumas centenas dos quase 3.000 versos do poema para o inglês moderno.

    O texto em prosa, portanto, deve ser encarado como um exercício interpretativo, no qual o filólogo tenta aproximar-se do que seria o sentido do poema para os ouvintes da Inglaterra medieval.

    É sob essa perspectiva, na tradução e nos comentários detalhados que Tolkien faz, que a obra vale a pena.

    CURIOSIDADE

    Antes do trabalho de 1936, críticos viam "Beowulf" como curiosidade histórica e narrativa supostamente pueril, na qual o herói-título vagava pela Escandinávia enfrentando ogros, monstros e um dragão.

    Para Tolkien, porém, a análise detalhada do texto revela como o confronto entre o herói e os monstros funciona como emblema mítico da luta dos humanos contra forças do caos e da destruição.

    Segundo o filólogo, seria uma visão da condição humana mais trágica e nobre do que a das tragédias gregas.

    Há ainda dois pontos nada desprezíveis para o leitor de Tolkien. Um é a forte influência do "Beowulf" sobre as histórias da Terra-média.

    Heorot, palácio defendido por Beowulf, é claramente o arquétipo da capital do reino de Rohan em "O Senhor dos Anéis"; no poema medieval, a ira do dragão é despertada pelo roubo de uma única taça de ouro de sua caverna, assim como ocorre em "O Hobbit".

    O segundo é, talvez, o ponto alto do livro: a narrativa "Sellic Spell" (história maravilhosa, em inglês antigo), criação do próprio Tolkien presente na obra, em que ele dá à saga de Beowulf o formato de um conto de fadas.

    Na "reconstrução" criativa, Tolkien revela sua maestria como contador de histórias.

    BEOWULF: A TRANSLATION AND COMMENTARY
    AUTOR J.R.R. Tolkien, com edição de Christopher Tolkien
    EDITORA Houghton Mifflin Harcourt
    QUANTO R$ 67,50 (448 págs)
    AVALIAÇÃO bom

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