• Ilustrada

    Monday, 06-May-2024 13:16:46 -03

    Crítica: Texto próximo da poesia de 'Caderno de um Ausente' é precioso

    BEATRIZ RESENDE
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    21/06/2014 02h38

    "Caderno de um Ausente" vem sendo apresentado como o segundo romance do importante contista que é João Anzanello Carrascoza. Mais próximo da prosa poética, esse pequeno e precioso livro propõe a ruptura com formatos e a pesquisa de dicções.

    O caderno é a escritura que um pai quer deixar para Beatriz, "o nome, que lhe demos, jamais deixará de ser a cicatriz primeira de teu destino", desde o começo Bia.

    Encurtar o nome é preciso porque o que caracteriza a escrita de míope escolhida pelo o narrador é a opção pelo breve, pelo pequeno, pelo mínimo tempo, pela ninharia do instante que precisa ser intenso porque a vida é perda.

    Falando à filha num uso expressivo do condicional, ao ensinar os caminhos da vida, prefere apontar as dúvidas ou encruzilhadas. Na estrada de Damasco importa menos a trajetória a ser seguida do que a possibilidade de escolhas, já que a escrita da vida é feita de intervalos, lacunas, rabiscos, emendas.

    Adriano Vizoni/Folhapress
    O escritor João Anzanello Carrascoza em mesa de debate na Flip, em 2012
    O escritor João Anzanello Carrascoza em mesa de debate na Flip, em 2012

    O livro reproduz esse escrever e reescrever que é nossa passagem pelo mundo entrecortando a escrita por marcas gráficas de apagamentos: "vida menos poesia igual vazio".

    Educar a filha para o afeto é ensiná-la a nomear o mundo. No reino das palavras, as únicas palavras que valem para sempre são as que anunciam o adeus.

    Livro
    Caderno De Um Ausente
    João Anzanello Carrascoza
    Caderno De Um Ausente
    Comprar

    Entre a vinda da menina e o melancólico prenúncio da partida da mãe, o silêncio -mais uma vez na obra de Carrascoza -se avoluma, porque mostrar a Bia o mundo em que vai crescer é apresentar-lhe as palavras, os sons, as imagens no papel que como tela abriga rasuras, espaços em branco. Tudo breve, porque "a vida é um resumo".

    O lirismo que reconstitui lembranças nessa espécie de memória do futuro não se derrama nunca porque é subitamente cortado por asperezas -espinhos e alfinetes- na narrativa que revela seu "molde bruto"de "granito lírico".

    O romance vai se constituindo numa verdadeira teoria do olhar e da palavra, "o invólucro das palavras pode ser mais doce que a sua gema", e poderia concluir como Dante inicia sua "Divina Comédia": " Não lhe ouves, Beatriz, o amargo pranto?".

    A marca poética de Carrascoza, no entanto —e aí está a beleza de sua escrita—, é a contenção. Em vez do pranto fica a partilha silenciosa da ausência.

    BEATRIZ RESENDE é professora titular de poética da UFRJ.

    CADERNO DE UM AUSENTE
    AUTOR João Anzanello Carrascoza
    EDITORA Cosac Naify
    QUANTO R$ 34,90 (128 págs.)
    AVALIAÇÃO ótimo

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024