• Ilustrada

    Saturday, 04-May-2024 08:51:31 -03

    Crítica: Ambiguidade entre sacanagem e religião marca livro de Sylvio Back

    RODRIGO GARCIA LOPES
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    21/06/2014 02h31

    Desde seu primeiro livro, em 1986, o cineasta catarinense Sylvio Back vem se dedicando, ao lado de Glauco Mattoso, a fazer recircular a poesia pornográfica entre nós. Toda a sua poesia até aqui, incluindo os 55 textos inéditos que abrem o livro, é agora reunida em "Quermesse", publicado pela Topbooks.

    Em nossa língua, o gênero remonta às cantigas de escárnio e maldizer dos trovadores galego-portugueses e tem em Gregório de Matos nosso cultor mais famoso. É poesia licenciosa, que rompe o decoro da própria poesia e lança mão de baixo calão, temas-tabu e cenas obscenas.

    O cinema, como não poderia deixar de ser, é presença constante na coletânea. Ele aparece seja através de referência a termos técnicos ("takes", "plongée"), a cineastas e atrizes (Monica Bellucci, Sharon Stone), mas, sobretudo, no modo de decupagem, com os cortes dos versos sendo análogos aos do cinema.

    Paula Giolito/Folhapress
    O cineasta Sylvio Back, autor do livro 'Quermesse, em imagem de 2011
    O cineasta Sylvio Back, autor do livro 'Quermesse, em imagem de 2011

    É o que ocorre de modo explícito em alguns dos melhores poemas do livro, como em "Efeitos Especiais", "CAMERA" e "Cine Privé".

    Neste último, o leitor é como que lançado no meio de uma gravação de um filme pornô, com direito a legendas em inglês e terminando com as ordens de um diretor: "Mike, ilumina a língua! / Steve, zoom na porra! / Back, corta pro gozo!".

    CHOQUE

    Livro
    Quermesse
    Sylvio Back
    Sylvio Back
    Comprar

    Há o gosto por palavras em outras línguas e muitas montagens. Quanto mais surpreendente o choque de substantivos, melhor o resultado poético: "pica kamikaze", "vulva Sésamo", "boceta cadáver".

    Mais que a rima, a grande característica dos poemas pornográficos de Back é o uso massivo da anáfora e da epífora, a repetição de uma mesma palavra ou palavras no
    começo ou no fim de linhas sucessivas.

    Se, por um lado, o abuso dos recursos pode resultar, na leitura de "Quermesse", algo enfadonho, parecendo mais maneirismos poéticos do autor, por outro remetem à característica repetitiva e mecânica do ato sexual.

    Ou, na fórmula backiana: "cu caralho boceta = sacro antídoto ao tédio".

    Ironicamente, a anáfora e a epífora são recursos muito usados na poesia devocional e religiosa, com a reiteração remetendo à experiência do êxtase.

    Poemas como "Gozatório" e "Altar" tematizam exatamente essa ambiguidade sacana-religiosa.

    Com estes recursos o poeta-voyeur parece querer incorporar, na carne dos poemas, o "pornotempo" de que fala o poeta mexicano Heriberto Yépez: o truque de edição usado em filmes pornô para aumentar a duração das cenas de sexo e passar uma sequencialidade inverossímil.

    RODRIGO GARCIA LOPES é autor de "O Trovador", a sair em julho pela Record.

    QUERMESSE
    AUTOR Sylvio Back
    EDITORA Topbooks
    QUANTO R$ 43,90 (280 págs.)
    AVALIAÇÃO regular

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024