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    Artista Fernando Lemos revisita estratégias do surrealismo

    SILAS MARTÍ
    DE SÃO PAULO

    21/06/2014 02h41

    Fernando Lemos é uma espécie de arquiteto às avessas. "Tenho apreço por tudo que é demolição, mas deveria ser construção", diz o artista português. "Tudo que é demolido se torna um novo projeto. Eu procuro o que não se construiu, aquilo que se perdeu."

    Ele descreve dessa forma a engenharia por trás de suas imagens, fotografias e desenhos que expõe agora em duas mostras simultâneas em São Paulo, onde se radicou.

    Enquanto na galeria Fass está uma série de fotografias com intervenções do artista, imagens violentadas com lâminas e outros materiais para revelar turbilhões insuspeitados de cores, o oposto da destruição está agora no Consulado Geral de Portugal.

    Fernando Lemos/Divulgação
    Fotografia 'Ilusão de Sereias!' da série 'Ex-Fotos', de Fernando Lemos
    Fotografia 'Ilusão de Sereias!' da série 'Ex-Fotos', de Fernando Lemos

    Lá, o artista mostra um conjunto de 36 desenhos. São cenários que ele construiu em preto e branco e que parecem amortecer os contornos das figuras que se insinuam ali.

    "Quero encontrar a fisionomia daqueles que não têm cara nem máscaras, ir à procura do que não está visível", diz Lemos, 88. "São propostas cenográficas em busca de uma peça, como se alguém fosse ocupar esse cenário."

    Lemos orquestra então dois movimentos opostos —a procura do que enxerga como desejos que se perderam debaixo da superfície da impressão fotográfica, numa espécie de cirurgia visual, e a arquitetura de espaços fantásticos para enquadrar novos devaneios e fantasias.

    Nesse ponto, o artista, que se firmou como um dos maiores nomes da fotografia surrealista, parece retomar estratégias daquela vanguarda.

    Numa operação análoga aos primórdios do surrealismo, em que sonhos e visões do inconsciente serviam de alicerce para alegorias sobre desejos secretos, Lemos desbasta as camadas das fotografias para reinventar contornos de acordo com a visão desejada pelo fotógrafo.

    "Esse desejo, no fundo, é uma falta", diz Lemos. "Faço fotografia como se estivesse desenhando. Meu traço vai em busca do desejo que não deu certo, o sonho de coisas que aparecem, mas que ninguém sabe de onde vieram."

    ARQUEOLOGIA DO TRAÇO

    Dessa mesma forma, as figuras estranhas que habitam suas composições surgem com a espontaneidade do traço. Não estavam pensadas para existir naquele lugar, mas ganham seus contornos como se emergissem de um pântano de manchas e cores.

    "São coisas que parecem presas numa teia", diz Lemos. "Às vezes, a ausência é mais importante do que a presença, como na escultura. É um ato científico isso de descascar ruínas e documentos para discutir as formas."

    Nessa arqueologia do traço, Lemos também lembra a importância de cada gesto. "O artista deve saber que não há gestos gratuitos", afirma. "Os meus são como um
    carimbo que se torna vivo."

    FERNANDO LEMOS
    QUANDO na Fass, de ter. a sex., das 11h às 19h; sáb., das 11h às 17h; até 12/7; no Consulado Geral de Portugal, de seg. a sáb., das 12h às 17h; até 9/8
    ONDE Fass, r. Rodésia, 26, tel. (11) 3037-7349; Consulado, r. Canadá, 324, tel. (11) 3084-1800
    QUANTO grátis

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