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    Minha História

    VANUSA

    Minha História: 'O episódio do hino foi um empurrão de Deus', diz Vanusa

    DEPOIMENTO A
    GIULIANA DE TOLEDO
    DE SÃO PAULO

    04/07/2014 02h22

    Depois de duas décadas sem pisar num estúdio, a cantora e compositora paulista Vanusa, que começou a carreira na TV nos anos 1960, lançará em agosto seu primeiro disco de inéditas.

    O álbum, com produção do músico Zeca Baleiro, marca também o recomeço da cantora após ter virado motivo de piada na internet. Em 2009, sob efeito de remédios, ela errou a letra do hino nacional durante uma sessão na Assembleia Legislativa de São Paulo.

    A repercussão do vídeo, que circulou nas redes, agravou um quadro de depressão e dependência de calmantes, o que levou a cantora uma internação de mais de seis meses em uma clínica de reabilitação.

    *

    Eu costumo dizer que tenho um fundo de poço como qualquer outra pessoa. Só que o meu fundo de poço tem uma mola. As pessoas só mudam quando chegam lá e, para mim, isso aconteceu no episódio do hino nacional, em 2009.

    De repente, eu, que tinha uma carreira de quase 50 anos, lisa, limpa, sem escândalos, com 23 discos lançados, virei a chacota do Brasil.

    Fui contratada para cantar o hino na Assembleia Legislativa de São Paulo dois dias antes, em uma sessão especial pelo Dia da Mulher, em março daquele ano. Passei a noite anterior toda decorando a letra e me automediquei.

    Fabio Braga/Folhapress
    A cantora Vanusa na sala de seu apartamento, no centro de São Paulo
    A cantora Vanusa na sala de seu apartamento, no centro de São Paulo

    Sofro de labirintite nervosa e, quando entrei para cantar, "estourou" meu ouvido. Se eu fosse um pouco menos turrona, nem teria entrado.

    Com a crise, cantava duas ou três frases certas e já começava a divagar. O que eu fiz no hino ninguém consegue fazer. Encaixei as frases numa melodia que não existe, foi uma coisa louca.

    Aconteceu isso, vim para casa e não tinha a menor ideia do que ia acontecer.

    Meses depois [agosto de 2009], alguém que copiou a gravação soltou na internet.

    A minha sorte é que, quando foi para o ar e começaram as gozações em todos os programas de televisão, eu tinha caído e quebrado a clavícula. Eu estava internada. Minha psiquiatra viu tudo aquilo e pediu para que não me avisassem sobre nada.

    Só depois da recuperação, o meu filho [Rafael Vanucci] me contou. Daí eu comecei a sacar que a coisa era bem mais feia do que imaginava.

    Eu assisti poucas vezes ao vídeo e demorei muito para conseguir vê-lo inteiro.

    Foi uma dor. Pensei em parar de cantar. Fiquei de uma maneira que não queria que ninguém me visse, não queria ver ninguém, não queria mais nem ouvir o meu nome.

    Para piorar, logo em seguida, aceitei fazer um show em Belo Horizonte e tive um lapso grande de memória no meio de "Sonhos de um Palhaço", que é uma música de sucesso minha com o Antônio Marcos [1945-1992; cantor com que foi casada nos anos 1980 e teve as filhas Amanda e Aretha]. O erro também foi gravado e postado. Foi outra merda.

    INTERNAÇÃO

    Um dia, um amigo me ligou, e eu disse pra ele: "Ou me interno ou me mato". Daí me levaram para a clínica. Fiquei lá seis meses e sete dias [de novembro de 2011 a maio de 2012] e fiz o dever de casa. Participei de todas as atividades para me recuperar.

    Meu problema era assim: tomava muito remédio para dormir e muito antidepressivo para acordar. Tomava por dia quatro comprimidos de benzodiazepina de 2 mg cada um. Se eu bebia um tantinho assim de uísque, já ficava louca, porque potencializava o efeito.

    Meu filho e meus amigos começaram a achar que eu estava alcoólatra. Logo eu que convivi com o Antônio Marcos, que era alcoólatra.

    A depressão é insidiosa, vai se aproximando devagar. Se não acontece uma coisa séria como esse fundo de poço, você não presta atenção.

    Por isso digo que o hino foi uma coisa ruim na época, mas hoje acho que foi uma coisa ótima. Deus estava me cutucando há tempo e eu não prestava atenção. Daí veio esse empurrão.

    Se não tivesse acontecido, talvez eu ainda continuasse tomando um monte de remédios. São viciantes em alto grau, matam os neurônios. Você esquece as coisas. Tinha muitos lapsos de memória.

    Hoje tomo muito pouco remédio. É uma luta diária.

    Outra coisa que aprendi na clínica é que vivi a minha vida inteira sem cuidar de mim mesma. Era sempre família, filhos, carreira e contas para pagar. Não olhava para mim.

    Aprendi agora que com uma parte do dinheiro você paga despesas, outra você guarda e outra você gasta com você mesma, nem que seja para ir a uma floricultura e mandar flores para si própria. Já fiz isso. É maravilhoso.

    Eu fiz e esqueci, daí no outro dia o cara tocou e eu: "Meu Deus, recebi flores". Depois lembrei que fui eu mesma que mandei, mas me emocionei do mesmo jeito.

    COMERCIAL

    Quando eu gravei o comercial da Visa [em outubro de 2012, sobre a Copa das Confederações], foi que tirei finalmente a história do hino da minha alma. Já tinha voltado da clínica, mas ainda não aceitava tocar no assunto.

    Meu filho é que conseguiu esse contrato. Primeiro, eu disse que não faria de maneira nenhuma. Depois, ele insistiu: "Se não for pela grana, que é muita grana, faça para tirar essa porra de hino da sua cabeça, mãe". Concordei.

    Não vou dizer quanto ganhei, mas foi muito para quem estava fodida. Não sabia o que eu ia fazer da minha vida e devia um ano e pouco de condomínio.

    Acho que o comercial foi um tapa de pelica. Exorcizei o caso para mim e também para os meus fãs que se sentiam magoados.

    Outra coisa que percebi é que o caso de hino fez com que as crianças e os jovens que não me conheciam passassem a me conhecer. Tem esse lado. Se o [publicitário] Washington Olivetto tivesse tido essa ideia, todo mundo diria que ele é um puta de um marqueteiro.

    NOVO ÁLBUM

    Meu novo disco, "Vanusa Santos Flores", meu nome de batismo, o 24º da minha carreira, sairá em agosto, com produção do Zeca Baleiro. Mas eu estava muito ansiosa, não aguentei esperar, então resolvemos lançar antes um EP, no último mês, com quatro faixas que vão estar no CD.

    É importante ter esse material para eu botar a cara de novo, para contar que continuo cantando.

    Faz quase 20 anos que eu não gravo um disco de inéditas. Nesse tempo, só saíram CDs de sucessos. Nem vi o tempo passar. Fui ficando quieta, não tinha motivação para fazer um novo disco.

    Agora o convite para fazer esse disco veio do Zeca Baleiro. Foi a primeira pessoa, além de meus filhos, que me ligou quando eu estava na clínica. A cada 15 dias, ele me ligava, até que me chamou para fazer esse CD. Quase caí de costas, aceitei na hora. Aquilo me deu uma força danada.

    O disco será despretensioso, mas muito bonito e muito bem pensado. Gravei uma música que o Zé Ramalho fez para mim, um rock da Angela Ro Ro, e três composições minhas, entre outras coisas.

    Além de estar trabalhando no disco, também voltei a tocar piano. E, quando estou em casa, gosto de cuidar do meu jardim. Ele tem uma história fantástica.

    Enquanto estava internada, me contaram que ele tinha morrido. Chorei muito. Uma funcionária da clínica me viu e perguntou o que estava acontecendo. No dia seguinte, quando abri a porta, ela tinha deixado um monte de mudas na minha porta.

    Nunca vou esquecer isso. Quando saí de lá, trouxe tudo para casa e plantei aqui. Fechei um ciclo de recomeço.

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