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    O punk leva um golpe de misericórdia com a morte de Tommy Ramone

    ANDRÉ BARCINSKI
    ESPECIAL PARA A FOLHA
    IVAN FINOTTI
    EDITOR DA REVISTA "SÃOPAULO"

    14/07/2014 02h00

    Morto sexta em Nova York, de câncer, Tommy era o último remanescente da formação original dos Ramones.

    Se hoje jovens da rua Augusta —e do mundo inteiro— ostentam uniforme idêntico, a culpa é dele: tênis All Star, jeans, camiseta listrada e jaqueta de motoqueiro é o legado visual de Tommy Ramone para o rock'n'roll.

    Na música, a importância é igualmente imensa: em 1974, no bairro de Queens, em Nova York, Tommy reuniu a banda que aplicou no rock a ideia do "do it yourself" (faça você mesmo), mandando às favas a necessidade de saber tocar, substituindo-a pela atitude de apenas subir no palco e ver no que dá.

    Dois anos depois, os Ramones, já com o primeiro disco lançado, excursionaram por Londres, onde foram vistos pelos integrantes dos Sex Pistols e The Clash. A explosão punk estava detonada.

    Os próprios integrantes dos Ramones creditavam a Tommy a invenção da estética e da sonoridade do grupo.

    Foi Tommy quem teve a ideia de que os quatro deveriam se vestir como uma gangue e assumirem o mesmo sobrenome para dar a impressão de uma família.

    "Muita gente dizia que nossa música era simples porque não sabíamos tocar, o que, em parte, era verdade", disse Tommy. "Mas os Ramones foram um experimento, tentativa de trazer o rock de volta ao seu estado mais básico e primitivo: poucos acordes, letras repetitivas, show intenso e sem firulas. E deu certo."

    Tommy, ou Erdélyi Tamás, nasceu em Budapeste, Hungria. Os pais, sobreviventes do Holocausto, se mudaram para Nova York quando ele era criança. Antes de fundar os Ramones, ele trabalhou como técnico de som do famoso estúdio Record Plant, onde colaborou em um disco de Jimi Hendrix (1942-1970).

    No bairro de Forest Hills, em Queens, conheceu John Cummings, que depois assumiria o nome de Johnny Ramone. Tommy e Johnny juntaram-se ao baixista Douglas Colvin (Dee Dee) e ao baterista Jeffrey Hyman (Joey) e criaram os Ramones.

    Tommy assumiu o posto de empresário e produtor. Como Joey não conseguia tocar bateria com a velocidade que as músicas do grupo exigiam, Tommy foi para a bateria e Joey virou cantor.

    Tommy foi o baterista dos três primeiros discos dos Ramones, todos clássicos absolutos do punk: "Ramones" (1976), "Leave Home" (1977) e "Rocket to Russia" (1977).

    A música misturava a agressividade dos primórdios do rock, como Jerry Lee Lewis e Little Richard, a uma pegada pop de "girl groups" dos 1960, como Ronettes. Um som abrasivo e adolescente, que fez a cabeça da geração que criou a cena punk/new wave, de Sex Pistols a The Clash, de Pretenders a Elvis Costello.

    Em 1978, cansado de excursionar, Tommy pediu para sair e foi substituído por Marky. "Não aguentei a vida na estrada", disse Tommy certa vez ao colunista da Folha. "Queria ter uma vida mais, digamos, 'normal': saber onde estava acordando, em que cidade estava, coisas impossíveis quando se está numa banda."

    Tommy coproduziu os quatro primeiros álbuns dos Ramones e voltou para produzir o oitavo, "Too Tough To Die", de 1984. Também trabalhou como produtor de Talking Heads, Replacements e Redd Kross e tocou bandolim e banjo no Uncle Monk, um duo de música acústica.

    Os Ramones terminaram em 1996. Os quatro integrantes originais morreram, além do designer Arturo Vega, que criou o icônico logotipo da águia. Joey morreu de linfoma, em 2001, aos 49; Dee Dee tinha 50 ao morrer de overdose de heroína, em 2002, e Johnny morreu de câncer, em 2004, aos 55. Arturo Vega morreu ano passado, aos 65, de causa não divulgada.

    O único remanescente da turma que esteve com a banda desde o início é o "tour manager" Monte Melnick.

    Incrível pensar que grupos surgidos mais de dez anos antes dos Ramones, como Beatles, Rolling Stones e Kinks, ainda têm tantos integrantes vivos, enquanto todos os "irmãos" de Queens se foram. Até bandas que passaram por desastres aéreos, como o Lynyrd Skynyrd, sobreviveram, embora com perdas.

    Mas o tempo foi implacável com os Ramones. O fim foi como o som da banda: rápido e inclemente.

    ANDRÉ BARCINSKI é jornalista e diretor do programa "O Estranho Mundo de Zé do Caixão", no Canal Brasil

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