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    'Creio que toda ficção é autoajuda', diz o escritor Mohsin Hamid

    SYLVIA COLOMBO
    DE SÃO PAULO

    26/07/2014 02h05

    Nos anos 90, o paquistanês Mohsin Hamid era um jovem estudante de direito de Harvard que dividia um quarto com um estudante brasileiro. Um dia, ao final das aulas, o colega botou para tocar "Taj Mahal", de Jorge Ben Jor.

    "Era uma canção maluca. Nunca tinha visto uma interpretação da Ásia assim, misturando ritmos africanos, ibéricos e falando de um lugar que parecia ao mesmo tempo exótico, mas também um espelho do Brasil", diz Hamid à Folha, por telefone.

    É por isso, conta, que está ansioso para chegar ao país, onde participa da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), a partir de quarta (30), dialogando com o colunista da Folha Antonio Prata.

    Jillian Edelstein/Divulgação
    O paquistanês Mohsin Hamid, autor de 'Como Ficar Podre de Rico na Ásia Emergente
    O paquistanês Mohsin Hamid, autor de 'Como Ficar Podre de Rico na Ásia Emergente'

    "Tenho certeza de que a região do mundo de onde venho [no sul da Ásia] e a América do Sul possuem conexões, desde a geografia dos países, a tradição de serem cortados por grandes rios, a presença das montanhas, além da mescla da herança colonial, a tradição nativa e a sobreposição de tantas camadas de imigrações."

    Para Hamid, 42, uma conexão Sul-Sul nunca se concretizou, mas pode-se desenhar hoje por meio da literatura. Aqui, o escritor entende por "sul" os locais fora do eixo dos países desenvolvidos, definição política do termo.

    "Paquistaneses e brasileiros se encontram em Londres ou Nova York, mas nunca no Paquistão ou no Brasil. Creio que agora isso se torna mais possível. Encontra-se mais facilmente literatura latino-americana nas livrarias de Lahore ou Delhi, e vice-versa."

    Além do músico carioca, Hamid diz conhecer a obra literária de Chico Buarque e as canções de Gilberto Gil.

    Hamid lança por aqui seu terceiro romance, "Como Ficar Podre de Rico na Ásia Emergente", uma sátira dos romances de autoajuda narrada em segunda pessoa, seguindo a linha de inovação narrativa de seus dois primeiros livros, "Moth Smoke" e "O Fundamentalista Relutante".

    "A ideia surgiu numa conversa com um amigo editor, em Nova York, em que nos perguntávamos a razão do sucesso dos romances de autoajuda. Voltei para casa e pensei: 'Será que toda ficção não é de autoajuda?'. Creio que sim, porque consumimos literatura hoje com essa ideia de que é algo que nos faz bem, como se fosse um alimento natural ou um novo remédio."

    E acrescenta que uma das discussões literárias que considera relevantes é a necessidade de subversão dessa "abordagem de marketing".

    Editoria de Arte/Folhapress

    No romance, o protagonista é um rapaz que se muda do campo para a cidade grande, querendo enriquecer. Depois de uma série de tentativas frustradas, encontra a fórmula ao vender água de torneira como se fosse mineral.

    "A água sempre foi grátis. Se estamos vivendo num mundo em que é preciso trabalhar e ganhar dinheiro para comprá-la, estamos ultrapassando uma fronteira civilizacional. Estamos vivendo uma situação que a humanidade nunca viveu antes."

    Após anos nos EUA, onde estudou literatura em Princeton e direito em Harvard, Hamid voltou a Lahore, cidade natal no Paquistão com 10 milhões de habitantes.

    "Como em São Paulo, aqui também há falta de água para boa parte da população, enquanto temos casas grandes com piscinas e fontes. Lahore deve se parecer com São Paulo, com diferenças econômicas e sociais que caracterizam ambas as regiões."

    Fã de futebol, Hamid diz que a Copa do Mundo reforçou a ideia de que a Ásia e a América do Sul são parecidas. "Vendo os estádios, as imagens da transmissão, só posso concluir que o Brasil é um país rico, mas sabemos que há diferenças. Não só acho que as duas regiões se parecem, como creio que os EUA é que vão se transformar e ficar parecidos conosco pelo crescimento da pobreza e das diferenças", conclui.

    Hamid virá com a mulher, cantora de músicas tradicionais do Paquistão, e as duas filhas. Na volta, passarão uns dias no Rio, de férias.

    Editoria de Arte/Folhapress
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