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    Crítica: Livro de Alarcón é esconde-esconde em que ninguém se encontra

    JOCA REINERS TERRON
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    02/08/2014 02h36

    Narrativas e jogos compartilham aspectos estruturais. Afinal, a proposição montada com tracinhos pretos sobre fundo branco pelo escritor deve ser resolvida pelo leitor. Obras inteiras foram erigidas com jogos em mente, como é o caso de Georges Perec e o quebra-cabeças, Mallarmé e o xadrez, Cortázar e seu jogo da amarelinha.

    Nada se compara, porém, a Perec e sua visão do puzzle ("enigma"): "todo gesto que faz o armador de puzzles, o construtor já o fez antes dele". Toda esperança e todo esmorecimento foram calculados pelo outro. A ficção é um infernal jogo dantesco.

    Livro
    A Noite Andamos Em Círculos
    Daniel Alarcon
    A Noite Andamos Em Circulos
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    Segundo romance do peruano-ianque Daniel Alarcón (Lima, 1977, radicado nos EUA desde a infância), "À Noite Andamos em Círculos" é eficazmente montado (como um jogo) num país andino da América do Sul nunca nomeado. O autor participa no domingo (2), às 12h, de debate com a atriz e colunista da Folha Fernanda Torres na Flip (Festa Literária Internacional de Paraty).

    A questão do jogo do livro está no cerne da trama em torno de um grupo de teatro experimental, o Diciembre, cujo auge ocorreu no início dos anos 1980, antes da guerra civil que assolou o país.

    Liderado por Henry Nuñez, o grupo sai de cena quando seu dramaturgo e principal ator é acusado de terrorismo e preso após encenação de "O Presidente Idiota", peça de ideário estridentista cujo principal alvo é o cidadão representado pela plateia, aos moldes do pensamento de Guy Debord ("nada de importante pôde comunicar-se poupando o público"), aludido no título e na epígrafe.

    Além de Henry, há Nelson, ator de 23 anos obcecado pelo Diciembre que se incorpora ao grupo, ressuscitado vinte anos depois para uma turnê pelo interior do país.

    O jovem, recém órfão de pai e relegado pelo irmão mais velho que se exilou nos EUA sem cumprir a promessa de levá-lo, foi penabundeado pela namorada. Henry, em seu período como prisioneiro político, apaixonou-se por seu companheiro de cela, Rogelio, morto em um incêndio na mesma prisão. Assombrado pela lembrança, Henry leva o Diciembre ao vilarejo natal do ex-amante. Lá, veem-se encalacrados em verdadeiro impasse: senil, a mãe de Rogelio pensa que o filho ainda vive. E Nelson é obrigado a assumir tal papel.

    Narrado por um repórter que reúne peças do puzzle através de depoimentos, o romance –cujo mote lembra "Mulher das Dunas" (1962), de Kobo Abe–, é um jogo de esconde-esconde no qual, ao final, ninguém é encontrado.

    JOCA REINERS TERRON, 45, é autor de "A Tristeza Extraordinária do Leopardo-das-Neves" (Companhia das Letras)

    À NOITE ANDAMOS EM CÍRCULOS
    AUTOR Daniel Alarcón
    TRADUTOR Rafael Mantovani
    EDITORA Objetiva
    QUANTO R$ 39,90
    AVALIAÇÃO ótimo

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