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    Barcinski: Mesa sobre ditadura é a mais comovente da festa literária

    ANDRÉ BARCINSKI
    ESPECIAL PARA A FOLHA, DE PARATY

    02/08/2014 15h11

    A mesa "Memórias do Cárcere: 50 Anos do Golpe", reunindo o escritor Marcelo Rubens Paiva, o economista Persio Arida e o jornalista, professor e escritor Bernardo Kucinski, foi a mais comovente desta edição da Flip até agora.

    Menos um debate do que uma leitura de trechos de obras sobre o golpe militar, a mesa foi interrompida diversas vezes, tanto por aplausos do público quanto por choro e comoção dos participantes.

    A mesa foi aberta por um "convidado surpresa": uma gravação, recém-descoberta pelo Arquivo Nacional, de uma entrevista do deputado Rubens Paiva, pai de Marcelo, à Rádio Nacional do Rio de Janeiro, no dia 1º de abril de 1964, em que ele conclamava a população a resistir ao golpe e legitimar o governo de João Goulart. Rubens Paiva foi preso, torturado e morto em 1971, nas dependências do DOI-CODI.

    Em seguida, Marcelo Rubens Paiva leu uma coluna que publicou no jornal "O Estado de S. Paulo" chamada "Trabalhando o sal", sobre a luta da mãe, Eunice, para descobrir o paradeiro do marido. Comovido, Marcelo teve de interromper a leitura algumas vezes para chorar: "Desculpem, eu tive um filho, meu menino tem cinco meses, minha mãe está com Alzheimer, e isso mexeu muito comigo".

    Bernardo Kucinski também emocionou a plateia ao ler um trecho de "K", livro sobre a busca pela irmã e o cunhado, ambos sequestrados pelos militares em 1974. Já Persio Arida leu trecho de um texto que publicou na revista "Piauí" sobre sua prisão e tortura em 1970, aos 18 anos, quando era integrante do grupo armado Var-Palmares.

    Sobre o tema dos "desaparecidos" políticos, Marcelo Rubens Paiva disse que foi a ditadura brasileira, dentre as latino-americanas, que começou a "sumir" com opositores políticos, prática depois adotada por Chile e Argentina. O autor explicou como o sumiço do pai não só traumatizou psicologicamente a família, mas trouxe enorme dificuldade financeira, já que, sem um atestado de óbito, todos os investimentos e economias do pai ficaram congelados até 1996, quando a família finalmente conseguiu o documento.

    Kucinski se referiu ao desaparecimento de opositores como "um método especialmente traumático" tanto para as famílias quanto para o país. Arida contou a experiência de ser, ele próprio, um "desaparecido" e disse que ficou muito aliviado ao saber que os pais tinham conhecimento de onde ele estava preso. "De alguma forma, aquilo foi um conforto".

    Kucinski disse que não tinha esperança no resultado das investigações da Comissão da Verdade e que, no Brasil "substituiu-se a ditadura militar por uma ditadura midiática". E Marcelo Rubens Paiva aproveitou para cutucar o roqueiro Roger, do grupo Ultraje a Rigor: "Vou falar aqui de um amigo, que não vai gostar: o Roger escreveu músicas ícones da campanha das Diretas, como "Inútil", e hoje acusa a Dilma de terrorista. Se até gente que participou da redemocratização tem posições confusas, imagine as crianças que moram nas periferias das grandes cidades."

    Após a leitura de seu texto, Marcelo foi foi aplaudido de pé por cerca de dois minutos pelo público.

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    ANDRÉ BARCINSKI é jornalista e diretor do programa "O Estranho Mundo de Zé do Caixão", no Canal Brasil

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