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    Debate entre 'maçã e laranja' resulta em manga sem sabor

    MARCELO COELHO
    ENVIADO ESPECIAL A PARATY (RJ)

    04/08/2014 02h43

    O jornalista David Carr é de uma magreza alarmante, e sua voz tem a fragilidade de quem passou por inúmeros e graves acidentes na vida. Esteve na Flip para divulgar "A Noite da Arma" (ed. Record), em que reconstitui seus longos anos de bebedeira, maconha, cocaína e crack.

    O título do livro faz referência a um dos piores episódios de sua vida "junkie". Carr acabava de ser despedido do jornal em que trabalhava, sai para beber com um grande amigo, terminam brigando, e esse amigo termina apontando o revólver contra ele.

    Pelo menos, era essa a sua lembrança daquela noite. O amigo, numa conversa anos depois, apresenta uma versão completamente diferente. Nunca apontou uma arma contra Carr; nunca tivera revólver em casa.

    Ocorrera exatamente o contrário: tinha sido o próprio Carr quem, tarde da noite, apareceu em sua casa ameaçando matá-lo.

    Qual das duas versões é a verdadeira? Boa questão para um trabalho de reportagem investigativa –e um novo David Carr, recuperado de sua dependência química, é quem se dedica, em mais de 400 páginas, a esse trabalho de jornalismo sobre si mesmo.

    Na noite sábado, em Paraty, Carr participou de um debate na Tenda dos Autores da Flip com outra jornalista, a argentina Graciela Mochkofsky.

    TRAGÉDIA ARGENTINA

    Em "Estação Terminal" (e-Galáxia) a autora investiga um dos maiores acidentes ferroviários da história argentina, que matou mais de cinquenta pessoas em 2012.

    Ainda que sua narrativa se organize focalizando os personagens envolvidos na tragédia -a melhor maneira, segundo Mochkofsky, de suscitar o interesse e a comoção do leitor-, "Estação Terminal" pretende servir como ilustração do declínio econômico e político da Argentina.

    "Um sistema de descontrole do Estado", disse a autora, "somou-se ao fatalismo da sociedade, e termina cobrando seu preço em vidas".

    No debate, Mochkofsky também se estendeu sobre outros dois livros que escreveu, ainda não publicados no Brasil. O primeiro é a biografia do jornalista Jacobo Timmerman, preso e torturado pela ditadura do general Jorge Videla.

    Timmerman tornou-se um símbolo da luta pelos direitos humanos na Argentina –mas a ironia é que tinha posto todo o seu talento para a inovação jornalística a favor do regime que, mais tarde, iria encarcerá-lo.

    MÍDIA E GOVERNO

    Contradições nas relações entre jornalismo e governo também são o tema de "Pecado Original", em que Mochkofsky trata das relações, inicialmente promíscuas, e depois totalmente conflitivas, entre o grupo jornalístico "Clarín" e os governos de Nestor e Cristina Kirchner.

    Só metaforicamente –acidentes, vítimas, dependência– os interesses de Mochkofsky se aproximam dos temas de David Carr.

    Ele próprio fez a brincadeira: achou que aquela mesa da Flip seria o encontro de uma maçã com uma laranja, do qual se tentava produzir uma manga.

    De fato, o resultado foi uma manga bastante insossa, com as discussões tentando convergir nos habituais e repetitivos debates sobre futuro do jornalismo, papel da internet, acúmulo de informações disponíveis e a busca, sempre necessária mas a rigor inatingível, de uma completa verdade sobre os fatos.

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