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    Crítica: Assassinato de Orson Welles é pano de fundo para discutir a arte

    MARIA ESTHER MACIEL
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    05/08/2014 02h17

    "F", do gaúcho Antônio Xerxenesky, fisga o leitor logo nas primeiras páginas. Com enredo intrigante e linguagem fluida, o autor compõe uma narrativa em que diferentes planos temporais e espaciais se articulam, lembrando a estrutura de um filme. O que condiz com os ingredientes ficcionais do livro, pautados em grande proporção no mundo do cinema.

    Quem conta a história é a jovem Ana, cinéfila e matadora profissional, que recebe a insólita incumbência de assassinar ninguém menos que o diretor Orson Welles.

    Brasileira residente em Los Angeles, com passagem por Paris, ela busca fazer de seu ofício de assassina um exercício estético. Não à toa discorre sobre o que é e o que não é arte, valendo-se para isso de diversas referências pop e literárias.

    Zanone Fraissat/Folhapress
    O escritor gaúcho Antônio Xerxenesky em Paraty, durante o quarto dia da Flip em 2012
    O escritor gaúcho Antônio Xerxenesky em Paraty, durante o quarto dia da Flip em 2012

    Trata-se de um romance "cult", no qual o escritor mescla elementos policiais, drama familiar, viagens e alucinações, articulando tudo isso ao cenário da ditadura militar brasileira.

    Livro
    F,
    Antonio Xerxenesky
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    Ana escreve seu relato em 1985. Nascida em 1960, filha de pai militar (envolvido com práticas de tortura) e sobrinha de um militante de esquerda, ela aparece como uma típica "filha da ditadura" e que se vê atravessada pelos efeitos dessa vivência.

    Se a trama se mostra inverossímil em vários momentos do romance, percebe-se uma deliberada opção do autor por esse caráter "fake".

    Isso se justifica não só pelo próprio título "F" —tomado de empréstimo do filme "F for Fake", de Orson Welles— como também pela narrativa em primeira pessoa, conduzida por uma personagem que oscila entre a lucidez crítica e a alucinação.

    Verdade e mentira se misturam o tempo todo na narrativa de Xerxenesky, evidenciando que o F do título deve ser tomado, preferencialmente, como F de "ficção".

    Além do entretenimento garantido, o leitor também tem acesso a várias sinopses de filmes de Welles e de outros diretores "cult", comentários sobre música pop dos anos 70 e 80, além de discussões interessantes (sob o ponto de vista não-dogmático de uma jovem do tempo) sobre um período crucial da história política brasileira.

    Mesmo que o caráter artificial de algumas passagens possa incomodar o leitor, "F" é um romance que traz uma marca de singularidade para a literatura brasileira.

    Considerando que Antônio Xerxenesky tem apenas 30 anos, resta-nos imaginar, finda a leitura de "F", o que ele será capaz de escrever depois.

    MARIA ESTHER MACIEL é escritora e professora de teoria da literatura na UFMG. Publicou, entre outros, "O Livro dos Nomes".

    F
    AUTOR Antônio Xerxenesky
    EDITORA Rocco
    QUANTO R$ 27,50 (240 págs.)
    AVALIAÇÃO bom

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