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    Mostra com mais de 400 obras revê mestiçagem na arte do país

    SILAS MARTÍ
    DE SÃO PAULO

    13/08/2014 02h14

    Um negro e uma mameluca estão lado a lado como símbolos da mistura de raças que construiu o Brasil atual.

    Essas telas do século 17 criadas pelo holandês Albert Eckhout, consideradas o retrato fundador do homem americano, sintetizam com certa ironia a ideia de "Histórias Mestiças", mostra agora no Instituto Tomie Ohtake com mais de 400 trabalhos sobre como a questão racial se manifesta na arte do país.

    "Um dos desafios dessa exposição é subverter o senso comum", diz a antropóloga Lilia Moritz Schwarcz, uma das curadoras da mostra. "Existe mestiçagem como mistura, mas ela é também separação. Esses discursos mestiços vêm da discriminação e do racismo violento."

    De fato, nesse panorama de arquivos históricos, obras inéditas e peças de mais de 60 acervos do mundo todo, a ideia de violência no trato entre as raças atravessa todos os trabalhos, algo às vezes latente, às vezes escancarado.

    Numa mesma parede estão um retrato acadêmico da princesa Isabel, cartões-postais com imagens de escravos no Brasil colonial, os autorretratos de Adriana Varejão com o rosto coberto de padrões indígenas e um esboço da "Negra", de Tarsila do Amaral, entre outas peças.

    É um coro de vozes que se atropelam, o que faz dessa mostra um tanto difícil de se ver -e isso é intencional.

    Noutra sala, três séries de trabalhos brigam pela atenção da mesma forma -em cima, desenhos de um índio, no meio, aquarelas de um artista viajante que mostra os primeiros contatos entre portugueses e indígenas e, embaixo, a série "Marcados", em que Claudia Andujar retratou índios como judeus num campo de concentração.

    "Não é tanto uma história da mestiçagem. É mais uma mestiçagem de histórias", diz Adriano Pedrosa, outro curador da mostra. "Tem certa pluralidade e inconstância."

    Nesse ponto, os vários momentos históricos, correntes estéticas e autores de origem distintas embaralhados na mostra vão derrubando qualquer noção de certeza para criar no museu um turbilhão perturbador, o que os curadores resumem como ideia de "fricção" entre os trabalhos.

    Mesmo alguns nomes mais conhecidos, como Alfredo Volpi, José Pancetti, Iberê Camargo ou Antônio Bandeira, aparecem na mostra com obras que fogem do estilo que os consagrou, todos eles com retratos figurativos de personagens negros ou mulatos.

    Outro ponto alto de "fricção" é a sala dedicada a obras têxteis de índios e grupos de escravos, em que motivos geométricos aparecem como signos de distinção entre tribos e nações, mas ao mesmo tempo ecoam as formas que dominariam o concretismo.

    "É outra maneira de ver", afirma Pedrosa. "Podemos pensar que a abstração geométrica já estava entre nós."

    RUÍDOS HISTÓRICOS

    Na mesma pegada desses ruídos históricos, uma das salas mais desconcertantes da mostra justapõe representações clássicas de momentos históricos brasileiros, como uma primeira missa de Rugendas ou o descobrimento visto por John Graz, a obras de artistas contemporâneos.

    Enquanto Thiago Martins de Melo revê a chegada dos portugueses como invasão violenta, Luiz Zerbini transforma a primeira missa em estranho ritual multirracial, solapando relatos históricos.

    Moritz Schwarcz, aliás, lembra que a mostra entra em cartaz num momento em que se discutem direitos civis no país. "É algo que se coloca bem na hora em que o país está tentando tirar um retrato 3 x 4 um pouco diferente."

    HISTÓRIAS MESTIÇAS
    QUANDO abre nesta sexta-feira (15), às 20h; de ter. a dom., das 11h às 20h; até 5/10
    ONDE Instituto Tomie Ohtake, r. Coropés, 88, tel. (11) 2245-1900
    QUANTO grátis

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