• Ilustrada

    Friday, 17-May-2024 04:54:56 -03

    Museus veem virtudes em mundos virtuais

    ANAND GIRIDHARADAS
    DO "NEW YORK TIMES", EM NOVA YORK

    18/08/2014 11h29

    Como vodca, espelhos de parques de diversões e viagens ao Japão, a Internet pode fazer com que você se sinta maior do que é.

    Ela persuade sujeitos sedentários e com deficiência de vitamina D a tentar o estrelato diante de uma Webcam. Tenta os rudes a imaginar que sua impertinência lhes valerá atenção mundial por um comentário insultuoso perfeito. Seduz o fabricante de queijo artesanal lhe oferecendo visões de um mercado mundial muito maior do que sua lojinha de beco permitiria atingir.

    E pode fazer com que até o mais careta dos museus de arte imagine: será que nossa coleção poderia chegar a aldeias na China, universidades no Peru e, por que não, a uma penitenciária ou duas? Será que ela pode tocar àqueles que não têm oportunidade de nos visitar fisicamente? Será que podemos atingir o mundo inteiro?

    Este artigo é um relato sobre como dois museus de Nova York decidiram fazer desse sonho realidade —e como um deles continua apegado à ideia, enquanto o outro descobriu que o verdadeiro valor da Internet não está em chegar a todos os lugares, mas em reforçar o aqui.

    Estamos falando do Metropolitan Museum of Art (Met) e do Brooklyn Museum, ambos instituições de arte ambiciosas e cosmopolitas, mas com reputações muito distintas: o Met é uma ilha no arquipélago dos maiores museus mundiais, e o Brooklyn Museum tem raízes mais fundas no solo local. No entanto, apesar de todas as suas diferenças, alguns anos atrás os dois compartilhavam do sonho de conquistar o mundo.

    "O sonho era que qualquer pessoa, em qualquer parte, pudesse participar e participasse, se tivesse a chance", disse Shelley Bernstein, vice-diretora de engajamento digital e tecnologia do Brooklyn Museum. "Eu tinha aquele sonho de atingir todo mundo, em todo lugar. Lembro-me de participar de inúmeras reuniões e de defender aquele sonho".

    O mesmo se aplica ao seu colega de posto no Met, Sree Sreenivasan, museu - o primeiro ocupante do cargo recentemente criado, que trabalha para a instituição há exatamente um ano. "A maioria das pessoas interessadas em arte não apanhará um avião para vir aqui", disse Sreenivasan. "Seria excelente se viessem. Mas tudo bem se aquilo que estamos fazendo chegar a elas apenas pela via digital".

    Nicole Bengiveno - 31.jul.2014/The New York Times
    O vice-presidente digital do Met, Sree Sreenivasan
    O vice-presidente digital do Met, Sree Sreenivasan

    Hoje, porém, passados alguns anos do início de suas experiências digitais, os sonhos dos dois museus divergiram. O Brooklyn Museum vem deixando de lado seus esforços na mídia social e agora quer abordagem mais caseira, usando a Internet para coisas como conduzir visitantes aos estúdios de artistas locais. Enquanto isso, o Met tenta entusiasmar audiências distantes, como as da China, e a circunavegar as restrições ao uso do Twitter e Facebook naquele país, aproveitando os conhecimentos de idiomas de seus curadores para atingir milhões de chineses por meio do Weibo, um serviço chinês de microblogs.

    "Temos compromisso real para com a ideia de atingir pessoas em todo o mundo", diz Sreenivasan, quando perguntado sobre a divergência nos rumos dos dois museus. "Não é algo que tenhamos abandonado. Mal começamos a trabalhar com isso".

    O Met criou um feed no Instagram que transmite imagens constantemente atualizadas de seu acervo, e a conta conquistou um prêmio Webby este ano. O museu publicou uma "cronologia da história da arte", que seus funcionários dizem atrair um terço dos visitantes do site. Também criou uma galeria digital chamada "One Met, Many Worlds". É um esforço muito bem intencionado mas repleto de dificuldades de navegação, convidando os usuários a visitar um caleidoscópio de imagens sempre mutáveis organizadas em tornos de palavras chave escolhidas por eles, tais como "quebrado" ou "mascarado". O museu também ampliou a atenção à sua conta no Weibo, onde os cerca de 60 posts disponíveis foram visitados mais de três milhões de vezes, de acordo com Sreenivasan.

    Pelos cálculos dele, o Met atrai cerca de seis milhões de visitantes físicos ao ano, mas também 29 milhões de visitas ao seu site e 92 milhões de contatos em sua página de Facebook, o que desperta questões importantes sobre o que exatamente queremos dizer ao falar sobre "o museu".

    Para o Met, esse alcance ampliado tem um preço: ter de mudar velhos hábitos para cultivar e manter tantos seguidores. Os valores do alcance viral, na era do Buzzfeed, e os valores da curadoria tradicional de um museu são, para dizer o mínimo, muito diferentes. Manter o equilíbrio entre eles é o desafio que Sreenivasan e seus 70 subordinados enfrentam.

    "Como tornar as coisas mais acessíveis sem diluir demais o conteúdo intelectual?", diz Sreenivasan. "Esse é o objetivo".

    Esse esforço por ampliar a acessibilidade pode ser visto em algumas recentes ofertas que se afastam bastante dos costumes do Met.

    Uma coisa que a Internet parece amar é emoção crua, vulnerabilidade, vislumbres dos bastidores de instituições aparentemente perfeitas e imutáveis. Por isso, quando o museu recentemente adquiriu o quadro "Everhard Jabach (1615-1695) e Sua Família", de Charles Le Brun —um pintor francês do século 17—, abandonou o roteiro habitual de anúncio da aquisição seguido por uma exibição inicial imaculada da peça muitos meses mais tarde.

    Em lugar disso, o Met postou fotos do quadro chegando a Nova York, do caixote sendo aberto pelos carregadores, das folhas de papel protetor que encobriam a tela quando ela foi encaminhada para um processo de restauração que durou meses.

    "É isso que as pessoas querem ver, e não só as coisas completamente polidas", diz Sreenivasan. "Querem ter o senso de como as coisas são feitas".

    Ele acrescentou que "seu objetivo é construir uma audiência antes do grande lançamento, em lugar de guardar alguma coisa até que seja a hora de ela aparecer. Em lugar de esperar que uma audiência surja, você pode construir uma audiência".

    Os curadores do Met passam suas vidas planejando a experiência perfeita do acervo do museu, de sala a sala, mas ele está se modernizando com a criação de maneiras mais aleatórias de experimentar suas ofertas, saltando de espaço a espaço sem hierarquia. Aguardo especialmente o recurso a ser oferecido por um novo app que oferecerá visita guiada a muitos dos bigodes em exibição no acervo: a arte como uma brincadeira de criança na verdade voltada aos adultos.

    Essas diversas mudanças —e outras, como encorajar os curadores a falar no Twitter e em vídeos na Web— sugerem uma maneira comum de ver a Internet, como algo que aniquila a ideia de lugar, tornando possível estar aqui, lá e em todo lugar.

    Mas o Brooklyn Museum, quando se aventurou no mundo digital, enfrentou dificuldade para conquistar terras distantes, e redescobriu a apreciação pela ideia de lugar.

    "Oito anos atrás, sentíamos que a Internet fosse a maneira de nos expandirmos", disse Bernstein., "Acredito que agora pensemos sobre isso de modo muito mais moderado".

    Nicole Bengiveno - 31.jul.2014/The New York Times
    Shelley Bernstein, vice-diretora de engajamento digital e tecnologia do Brooklyn Museum
    Shelley Bernstein, vice-diretora de engajamento digital e tecnologia do Brooklyn Museum

    O que aconteceu ao longo do caminho foi uma série de experiências inovadoras de contato digital que parecem provar uma tese imensamente diferente da adotada pelo Met: a de que não importa o quanto seja fácil e barato exibir o vasto acervo do Brooklyn Museum a Gana e à Mongólia, bem como ao interior do Alabama, eram as pessoas que vivem fisicamente perto do museu —e só elas— que se deixavam convencer a curtir o museu e a interagir com ele online.

    Entre as experiências houve jogos como "Freeze Tag!" e "Tag! You're It" nos quais usuários online eram convidados a jogar propondo "tags" temáticos para as obras de arte, o que representa uma forma de engajar a audiência e ao mesmo tempo facilitar as buscas de futuros usuários no acervo. Outra experiência, chamada "Click!", pedia que os usuários avaliassem fotografias. E ainda outra, chamada "Split Second!", pedia que os visitantes votassem sobre quadros indianos.

    Porque o objetivo desses jogos era difundir o museu para além de Brooklyn, os criadores ficaram atônitos ao estudar o tráfego de dados resultante. Em "Click!", embora pessoas de 40 países tenham participado, 64% dos participantes vinham de Nova York, Nova Jersey e Connecticut, e esses lugares responderam por 74% das avaliações. Quase metade das avaliações vinham de Brooklyn. Em "Split Second!", o museu constatou que os moradores locais dedicavam em média 15 minutos ao site, ante pouco mais de metade desse tempo para visitantes mais distantes.

    No jogo das tags, o museu constatou que 52% dos participantes eram profissionais de museus, e que a maioria clara deles era de funcionários do Brooklyn Museum.

    Bernstein diz que esses dados abalaram seu pessoal. Para ela, a ideia central desses instrumentos era romper o velho padrão de um museu que atendesse demais à elite educada. Mas a esfera digital, ao menos no caso de seu museu, estava simplesmente reproduzindo (se não amplificando) o elitismo dos padrões de visitas físicas. "Quanto mais longe a pessoa estivesse, menos profundo o seu engajamento, em escala e escopo", ela diz. "Quanto mais perto, mais envolvimento. Isso nos levou, como instituição, a completamente repensar aquilo que fazemos em termos de engajamento digital".

    Como parte dessa reconsideração, o museu fechou muitas de suas plataformas digitais nos últimos meses: Flickr, History Pin, iTunesU, a página do museu no FourSquare e seus jogos de tags. Sreenivasan disse que os fechamentos levaram todo o mundo dos museus a comentar, e a imaginar sobre a presença online de cada instituição.

    Um recente post de blog por Bernstein explicou as mudanças: "Como parte de um plano estratégico de mídia social, estamos mudando de marcha e adotando uma estratégia de engajamento cujo foco seja ampliar nosso número de visitas físicas".

    A lição que Bernstein extrai dessa virada é a de que não devemos permitir que a comunidade da tecnologia conduza nossas ações, porque ela pode estar errada". O lado digital, ela opinou, "não é o cálice sagrado, mas só uma camada".

    O projeto "Go", que sua instituição organizou em 2012, é o que ela vê como futuro digital para o Brooklyn Museum: usar a tecnologia como essa "camada". O projeto exemplifica um meio de reforçar a experiência local, física, da arte e do acervo do museu, em lugar de ser um esforço de levar o museu ao mundo mais amplo.

    Um app para smartphones criado como parte do projeto conduzia os usuários de estúdio a estúdio de artistas de Brooklyn, e convidava os participantes a votar nas peças que mais os agradassem. As obras com mais votos seriam incluídas em uma exposição especial no museu. Sem a Internet, seria quase impossível coordenar um projeto como esse. Mas a Internet não era o objetivo da coisa e o sonho não era o de conquista. A Internet era apenas um instrumento, e o sonho, como sempre, era o de fomentar a alquimia que ocorre quando uma pessoa contempla, de pertinho, o esforço de outra pessoa para imobilizar o mundo.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024