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    Crítica: 'Teatro' é obra de um David Mamet decadente e rancoroso

    NELSON DE SÁ
    DE SÃO PAULO

    20/08/2014 02h18

    "Teatro", lançado há quatro anos nos EUA e recém-publicado no Brasil, tem pelo menos um capítulo verdadeiramente provocativo, do total de 26 —em sua grande maioria exaustivamente superficiais e repetitivos.

    É o terceiro, em que David Mamet compara a experiência do espectador de teatro àquela da perseguição instintiva, primitiva, empreendida por um caçador.

    Ele parte dessa imagem original para extrapolações, algumas mais imaginativas que outras.

    O leitor se anima com o que se prenuncia um livro instigante, mas a sensação é passageira.

    Logo se impõe a cantilena de ataques enfáticos —sem apresentar argumentos— a Constantin Stanislavski (1863-1938), diretor russo que criou um método de preparação de atores para a interpretação.

    De Stanislavski, Mamet parte aos ataques aos diretores em geral, às teorias europeias de teatro, às feministas, aos "liberais" de alto a baixo.

    Declarações peremptórias, raivosas, tomam o lugar da ironia e da leveza de um livro anterior que, embora com estrutura e alguns temas semelhantes, soa agora quase como obra de outro autor, "Writing in Restaurants" (1987, Penguin).

    A exemplo dos dramaturgos Tennessee Williams (1911-1983) ou Arthur Miller (1915-2005), Mamet, aos 66, enfrenta o que muitos já descrevem como decadência de seus enredos e antes lendários diálogos, cada vez mais retóricos, amontoando fracassos na Broadway.

    Enquanto sua escrita definhava, Mamet, a exemplo do que acontece no Brasil, inclusive no teatro, se deixava levar pelo crescente radicalismo discursivo na política —e o maniqueísmo, já presente em várias peças, se acentuou.

    Perdem-se hoje no tempo peças de referência como "Glengarry Glen Ross" (1983), talvez sua obra-prima e que o fez herdeiro não só dos americanos Williams e Miller, mas sobretudo da linguagem do inglês Harold Pinter.

    De "Writing in Restaurants" para este "Teatro", a impressão de decadência é a mesma com seus textos, digamos, teóricos: de estimulantes e até engraçados, passaram a rancorosos e, principalmente, gratuitos.

    TEATRO
    AUTOR David Mamet
    TRADUÇÃO Ana Carolina Mesquita
    EDITORA Civilização Brasileira
    QUANTO R$ 25 (176 págs.)
    AVALIAÇÃO regular

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