• Ilustrada

    Sunday, 28-Apr-2024 09:44:31 -03

    Cildo Meireles cria 'experiência cromática' em instalação

    SILAS MARTÍ
    DE SÃO PAULO

    22/08/2014 02h50

    Quando Cildo Meireles era um jovem rapaz, seu pai o levou para ver o lugar onde um jornalista fora assassinado durante a ditadura. Na parede, havia uma mensagem escrita com o sangue da vítima.

    Décadas depois, o artista criou seu "Desvio para o Vermelho", a famosa instalação de 1984 em que construiu todas as salas de uma casa cheias de objetos cor de sangue, despertando entre críticos uma leitura mais política do que cromática da obra.

    Meireles é visto como um dos mais ferrenhos críticos aos abusos do poder desde que despontou na cena artística do país, nos anos 1960.

    Agora, na galeria Luisa Strina, ele faz uma grande instalação com seis salas coloridas, uma delas em vermelho vivo.

    Em cada ambiente, uma tela de TV replica a cor do espaço, alternando às vezes para seu tom complementar.

    Nas palavras do artista, essa obra, montada pela primeira vez há cinco anos na Bienal de Veneza, nada mais é do que uma tentativa de "prolongar a cor no espaço".

    "É uma experiência cromática antes de ser política", diz Meireles. "É como o 'Desvio para o Vermelho'. Entendo a leitura que fizeram dele, mas não concordo. Sempre tive ojeriza à arte panfletária. Quero priorizar a questão formal, porque é na história da arte que o trabalho se firma."

    BURACO EM BRASÍLIA

    Menos formalista e mais kitsch, uma pintura que o artista mostra agora, no entanto, parece calculada para despertar sentimentos políticos.

    Quando soube que a crosta terrestre é mais fina no ponto onde fica Brasília, com a superfície da Terra mais próxima do magma fervilhando no miolo do planeta, Meireles fez um quadro em que retrata um enorme buraco aberto diante do Congresso.

    "É grande o suficiente para caber o mais gordo dos corruptos", ironiza. "O planalto central é uma chapa quente."

    E parece esquentar mais na época das eleições. Embora seu quadro agora na galeria esteja mais na linha do humor, Meireles se firmou com obras mais subversivas, como quando fez circular mensagens antiditadura gravadas em garrafas de Coca-Cola.

    AMARILDO

    Fez o mesmo com cédulas de dinheiro. No auge dos protestos que varreram o país no ano passado, ele retomou a ideia perguntando com carimbos em notas de R$ 2 onde estava Amarildo, o pedreiro que sumiu sem deixar rastros depois de ser interrogado pela polícia carioca.

    Mas, para cada nota ou garrafa, Meireles também fez trabalhos mais silenciosos, como a "Esfera Invisível", um vazio cavado no meio de um bloco maciço de alumínio.

    Todas essas obras, diz Meireles, falam de "imaterialidade". "Meu trabalho sempre se funda numa ação, e não na presença. Sinto que até hoje esses trabalhos não foram lidos em suas reais dimensões."

    CILDO MEIRELES
    QUANDO de seg. a sex., das 10h às 19h; sáb., 10h às 17h; até 27/9
    ONDE Luisa Strina, r. Padre João Manuel, 755, tel. (11) 3088-2471
    QUANTO grátis

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024