Os caminhos nem sempre nítidos entre a ficção e a memória foram temas de debate na Bienal do Livro na tarde deste domingo (dia 24).

O encontro no Salão de Ideias, principal espaço da programação literária da feira, reuniu os colunistas da Folha Carlos Heitor Cony e Ruy Castro e a escritora Heloisa Seixas.

Em 2010, os três (e mais a romancista Patrícia Melo) participaram de uma mesa da Bienal do Livro exatamente com o mesmo tema.
Os três já trilharam as fronteiras por vezes escorregadias entre a realidade e a imaginação.

Além de ser um dos principais biógrafos do país (autor de obras sobre Garrincha, Nelson Rodrigues e Carmen Miranda), Ruy também já se aventurou pelos romances, fundindo pesquisa histórica e ficção ("Bilac Vê Estrelas", "Era no Tempo do Rei").

Um dos principais sucessos de Cony é "Quase Memória" (1995), um "quase romance" em que ele narra a própria relação com o pai.

Autora de romances e contos, Heloisa Seixas já relatou a doença da mãe, vítima do mal de Alzheimer, no livro "O Lugar Escuro" (2007).

	Raquel Cunha/Folhapress
	Debate entre os escritores Ruy Castro (esq), Carlos Heitor Cony (centro) e Heloisa Seixas na Bienal

"O biógrafo é um escravo da verdade. O ficcionista é um profissional da mentira", definiu Ruy. "A autoficção, termo usado para classificar os livros nos quais o autor fala de fatos de sua vida em tom de ficção, virou uma expressão do momento. Mas toda ficção é autoficção."

"Qualquer ficção é uma autobiografia disfarçada", concordou Cony. "Santo Agostino já dizia: 'A memória é a caverna da alma'. Tudo cabe ali."

'QUASE ROMANCE''

Durante a conversa, Heloisa, que é mulher de Ruy, falou de seu próximo livro, "O Oitavo Selo", a sair pela Cosac Naify em outubro.

Também uma espécie de "quase romance", a obra vai narrar oito confrontos de Ruy com a morte, provocados pelos vícios em drogas e álcool, pelo câncer e por problemas no coração.

O título é uma referência ao filme "O Sétimo Selo" (1956), de Ingmar Bergman, no qual um cavaleiro joga xadrez com a morte.

"O livro é sobre o Ruy, todos os casos são reais, mas anda por esta corda bamba entre a ficção e a realidade."

Apesar do tema, Heloisa garante que todas as histórias têm um lado leve, apaixonado, até mesmo engraçado.

"É uma coisa que percebo no Ruy e também no Cony. Acho que a literatura, a vontade de escrever, salvou os dois, os mantêm vivos. O Ruy escrevia a biografia de Carmen Miranda quando descobriu que tinha câncer. Era gravíssimo. Eu achava que ele ia morrer. E a primeira coisa que disse ao receber o diagnóstico foi: 'O livro vai atrasar'.".

Cony provocou grandes risadas na plateia ao ironizar a própria saúde. Nos últimos meses, ele tem se locomovido em uma cadeira de rodas.

"A literatura é uma droga. Em outubro do ano passado estive na Feira de Frankfurt, na Alemanha. Não vendi um único livro. Ainda por cima levei um tombo, minha perna ficou ruim. Mas ainda estou lúcido, escrevendo e empregado", brincou, sob fortes gargalhadas do público.

Contou histórias de sua carreira no jornalismo e relembrou Ariano Suassuna, morto no final de julho. "O Ariano mentia muito, por isso dizia que adorava mentirosos e loucos."

Também disparou fina ironia ao falar da Academia Brasileira de Letras, da qual é um dos membros. Pelas regras da instituição, uma nova vaga só é aberta quando algum dos escritores membros morre.

"Não sei se felizmente ou infelizmente eu pertenço à academia. Um dia o Ruy também fará parte. Talvez na minha vaga."