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    'A gente não digere a violência' diz Marcelo Rubens Paiva sobre ditadura

    MORRIS KACHANI
    DE SÃO PAULO

    25/08/2014 03h01

    A participação emocionada de Marcelo Rubens Paiva na Festa Literária Internacional de Paraty deste ano, na mesa sobre os 50 anos da ditadura, comoveu o público, reverberou nas redes sociais e se tornou alvo de polêmica, após manifestações agressivas de Roger, líder da banda Ultraje a Rigor, na internet.

    O escritor, filho do deputado Rubens Paiva, morto sob tortura em 1971, havia citado o músico, no debate em Paraty, como exemplo de quem desconhece a ditadura. No Twitter, Roger reagiu: "Minha família não foi perseguida pela ditadura porque não estava fazendo merda".

    Escritor, jornalista, roteirista e dramaturgo, tuiteiro, blogueiro, com tração das quatro rodas. Assim Rubens Paiva, nascido em 1959 em São Paulo, se define. Publicou 11 romances, entre os quais o best-seller "Feliz Ano Velho" (1982). Nesta entrevista, ele, que também é dramaturgo e colunista do jornal "O Estado de S. Paulo", fala da ditadura e de seus ecos.

    Fabio Braga/Folhapress
    O escritor Marcelo Rubens Paiva, em São Paulo
    O escritor Marcelo Rubens Paiva, em São Paulo

    Folha - O Brasil digeriu a ditadura ou ainda tem tabus?
    Marcelo Rubens Paiva - A gente não digere a violência. Os mais jovens não têm ideia do que foi a ditadura. Quem acompanhou a redemocratização, fez parte da mobilização estudantil no final dos anos 1970, a fundação do PT, as Diretas-Já, leu os livros que tinham de ser lidos, viveu de certa forma a ditadura, sabia o que era.

    Você acha bom o trabalho da Comissão da Verdade?
    A comissão está fazendo o que pode. É a cara do Brasil: pode investigar, mas não pode punir. Então é para quê? Para revelar a verdade. Revela, mas não pune. Você vê a Miriam Leitão [que contou na semana passada a tortura que sofreu, grávida, aos 19 anos]. Ela falou de algo engasgado.

    Como você viveu a ditadura?
    Olha, muito solitariamente. Quando meu pai desapareceu, no começo de 1971, já foi sob o AI-5. A censura era tremenda. Em paralelo, era o "milagre brasileiro". O Brasil tinha ganhado a Copa, as pessoas estavam contentes, o país se industrializava. E a minha família sofrendo um abuso do Estado violento sem ter com quem compartilhar. As pessoas não entendiam. O desaparecimento do meu pai foi um dos primeiros da América Latina. Se ele tivesse desaparecido em 1976, a gente saberia que ele desapareceu, mas em 1971 não se fazia ideia de que isso poderia ocorrer, nem o porquê disso.

    Como eram seu pai e sua mãe?
    Eram um casal comum, de classe média alta, burguês. Minha mãe, com cinco filhos, gostava muito de ler, e meu pai, um cara muito culto e inteligente, que tinha muitos amigos: Haroldo de Campos, Antonio Callado, Antonio Candido, Millôr Fernandes frequentavam minha casa, FHC... E ele não era de muitos preconceitos, era amigo do Sarney. Quer dizer: não era comunista e era contra a luta armada. Mas tinha amigos comunistas e na luta armada. Era de esquerda. Era como o governo Jango: queria um Brasil diferente, mas não comunista. Era reformista.

    Seu filho nasceu há seis meses. Mudou a relação com tudo isso?
    Mudou, porque ele tem os olhos do meu pai. É terrível. Ninguém mais na família tem olhos azuis. Quando tudo isso foi revelado, nasceu o meu filho com os olhos do meu pai. E porque é neto dele, um menino, de sobrenome Paiva.

    Recentemente a história de vocês foi revivida na sua polêmica com o Roger. Vocês são ou eram amigos, não?
    Não vou falar do Roger. O que dá para dizer é que há pessoas que nos surpreendem, que nos eram importantes como intelectuais, como amigos até e que, nas redes sociais, você descobre terem opiniões completamente diferentes das suas. Que ficaram mais reacionárias, rancorosas.
    As redes sociais permitiram às pessoas fazer confissões que não fariam cara a cara. Faz a gente conhecer esse tipo de direita que estava adormecida ou que existia e a gente não sabia. A internet está deixando as pessoas mais mal-educadas. Como escritor, sei o poder da palavra. Eu escrevo uma frase e, quando a vejo dita num palco, vejo a força que ela tem. As pessoas não escreviam antes como escrevem agora. Mas elas não sabem escrever.

    Leia íntegra no Blog do Morris

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