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    Para relator, projeto das biografias não autorizadas cria 'censura posterior'

    JULIANA GRAGNANI
    DE SÃO PAULO

    26/08/2014 19h13

    O senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES), relator no Senado do projeto de lei que derruba a proibição de biografias não autorizadas no país, defendeu que o texto em tramitação derruba a censura prévia ao mesmo tempo em que estabelece "censura posterior". A proposta foi aprovada na Câmara em maio deste ano e agora tramita no Senado.

    Ferraço participou de debate sobre biografias não autorizadas na tarde desta terça-feira (26), na 23ª Bienal Internacional do Livro em São Paulo, ao lado do escritor Paulo Cesar de Araújo, biógrafo de Roberto Carlos, do deputado Newton Lima (PT-SP), autor do projeto de lei discutido no debate, e da jornalista Regina Echeverria, biógrafa de diversas personalidades.

    O trecho do projeto ao qual o senador é contrário foi introduzido como uma emenda na Câmara pelo deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO), que processa desde 2005 o escritor Fernando Morais por haver sido citado em trecho que considera inverídico no livro "Na Toca dos Leões". O livro conta a história da agência de publicidade W/Brasil.

    O texto introduzido por Caiado garante rapidez da Justiça no julgamento em que biografados se sentirem ofendidos, com decisões de juizados especiais. Além disso, prevê eventuais alterações em edições futuras dos livros, com supressão de trechos considerados ofensivos pela Justiça. Essa parte, segundo Ferraço, pode dar margem à censura posterior ou "a uma censura prévia da edição seguinte".

    O deputado ainda não entregou o parecer do projeto. Ele pretende convocar audiência pública no Senado para discutir a questão. Se o projeto for modificado no Senado, volta à Câmara.

    'SINUCA DE DOIS BICOS'

    Autor do projeto de lei que foi aprovado na Câmara após três anos de tramitação, alavancado pela polêmica estabelecida por artistas como Roberto Carlos, no ano passado, o deputado Newton Lima (PT-SP) disse que agora a situação é como "uma sinuca de dois bicos", já que os parlamentares deverão escolher entre aprovar o projeto no Senado com a emenda sugerida por Caiado, ou então modificá-la e ver o projeto voltar à estaca zero, já que obrigatoriamente voltaria à Câmara.

    "Tive, como autor do projeto, que acolher [a emenda do deputado Caiado], para não acontecer o arquivamento", disse Lima. "A única possibilidade concreta de vermos o projeto aprovado na Câmara foi a negociação política."

    "Estamos na mão do Caiado?', questionou Echevarría no debate realizado na Bienal do Livro.

    "Temos que ver que risco é melhor correr nessa altura do campeonato", afirmou Newton Lima. "Nesse caso, o ótimo é inimigo do bom."

    Para o deputado, uma opção é aprovar o projeto no Senado, garantindo a derrubada da censura prévia e, depois disso, apresentar outro projeto aperfeiçoando o texto aprovado. Ferraço afirmou que, caso a sociedade seja a favor dessa opção —manifestação que ele espera ouvir em debates e conversas com envolvidos na questão— ele aceita adaptar seu parecer de modo a acolher a sugestão e, mais tarde, apresentar um novo projeto de lei.

    Paulo Cesar de Araújo criticou outra parte da emenda. Para o escritor, a violação de "honra, boa fama ou respeitabilidade", elementos que podem ser usados para pedir a supressão de trechos em edições seguintes, é "vaga e subjetiva". O senador Ferraço disse concordar. "Cria enorme insegurança jurídica", afirmou.

    A discussão sobre a necessidade de autorização prévia para biografias também corre no Supremo Tribunal Federal, onde uma ação de editores questiona a constitucionalidade da lei. Para entrar em pauta, a ministra Cármen Lúcia, relatora da ação, deve divulgar seu parecer e o presidente da Casa deve colocar o processo em pauta.

    ITAPEMIRIM

    O debate em torno das biografias não autorizadas no Brasil voltou à discussão em outubro do ano passado, quando o cantor Roberto Carlos e outros músicos, como Gilberto Gil, Chico Buarque e Caetano Veloso declararam-se a favor da norma vigente, ou seja, dos artigos do Código Civil que dão margem à proibição de biografias que não tenham sido autorizadas por biografados ou seus herdeiros.

    O relator do projeto, Ferraço, nasceu na mesma cidade que Roberto Carlos, Cachoeiro de Itapemirim (ES). Seu pai, Theodorico Ferraço, ergueu uma estátua em homenagem ao cantor quando foi prefeito da cidade. À Folha, em julho, Ferraço afirmou que não havia estado com o cantor ou algum interlocutor seu.

    No debate realizado na Bienal, o senador voltou a afirmar que não foi procurado por Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, advogado de Roberto Carlos.

    O deputado Newton Lima, por sua vez, declarou que foi procurado por Kakay na época em que o projeto de lei tramitava na Câmara. "Kakay queria preservar dois direitos constitucionais: liberdade de expressão e informação e o direito à privacidade. Ele queria uma redação que combinava as duas coisas e, no final, anulava o processo todo", afirmou. A sugestão do advogado não foi acatada pelo deputado.

    No debate, Paulo Cesar de Araújo afirmou que Roberto Carlos hoje é "porta-voz de pensamento retrógrado, conservador e reacionário". Em 2007, o cantor mandou retirar de circulação o livro biográfico "Roberto Carlos em Detalhes", de autoria de Araújo.

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