• Ilustrada

    Saturday, 04-May-2024 14:09:43 -03

    Dupla de artistas recria zoológico de africanos negros na Noruega

    GUSTAVO FIORATTI
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    30/08/2014 02h30

    Acaba neste fim de semana um polêmico projeto artístico que teve como objetivo resgatar uma memória um pouco amarga para a história da Noruega: zoológicos criados no início do século 20 para exibir africanos negros.

    O sudanês Mohamed Ali Fadlabi e o sueco Lars Cuzner, artistas residentes em Oslo, decidiram discutir o racismo e seus desdobramentos até o século 21 a partir da recriação de uma vila que, há exatos cem anos, expôs um grupo de 80 senegaleses.

    Em 1914, o grupo de homens, mulheres e crianças negras habitou a vila construída exclusivamente para funcionar como uma exposição, durante cinco meses.

    Nela, os visitantes brancos se informavam do que supostamente seria a vida na África. Segundo os artistas, essa exposição foi visitada por 1,5 milhão dos 2 milhões de habitantes do país à época.

    Lise Aserud/Reuters
    Visitantes no projeto instalado em Frogneparken, em Oslo
    Visitantes no projeto instalado em Frogneparken, em Oslo

    A chamada Kongolandsbyen (Vila do Congo) fez parte de uma programação organizada naquele ano para comemorar o centenário da Constituição do país. Por mais absurdo que possa parecer hoje, o conceito de zoológico humano teve outros exemplares desde o século 19 até meados do século passado na Europa.

    Com a execução do projeto, Cuzner e Fadlabi pretendiam "falar sobre a evolução do racismo" e quais seriam seus desdobramentos no século 21.

    "A Europa está se tornando cada vez mais xenófoba, com fronteiras fechadas e leis draconianas. Não é possível discutir racismo sem discutir economia global", afirmam os artistas no site do projeto.

    Discutem também a formação da Noruega como nação. "Ainda hoje os lugares descritos no passado como superiores comemoram por usufruírem de privilégios", dizem, em referência à Noruega figurar como um dos países mais felizes pela revista "Forbes".

    PROTESTOS

    Há cerca de seis meses, os artistas começaram a recrutar voluntários para morar na réplica da vila que iriam erguer. Numa página on-line divulgaram o seguinte anúncio: "Nós precisamos de você no nosso zoológico humano".

    O projeto desencadeou uma série de protestos, na rede social Twitter principalmente, acompanhados com a hashtag "#someonetellnorway" (#alguemavisaanoruega).

    "As reclamações partiram de outros tipos de mídia. E também recebemos um abaixo-assinado para que não levássemos o projeto adiante", relata Cuzner. A dupla decidiu não chamar ninguém entre as dezenas de voluntários que, "de diferentes partes do mundo", responderam ao recrutamento dos artistas (incluindo este repórter).

    Eles, no entanto, não assumem que essa medida significou um recuo diante dos protestos contra o projeto. "Desde o início, o projeto era sobre representações equivocadas e como elas podem criar ideias falsas", diz Cuzner.

    Durante o período de exibição do projeto, aberto ao público desde maio, alguns visitantes toparam o desafio e decidiram se instalar nas estruturas de palha e madeira da réplica da Vila do Congo.

    "Nós mesmos eventualmente passamos um tempo vivendo lá", relata Cuzner.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024