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    Sergio Rodrigues comparava encaixe de móveis a letras no alfabeto

    SILAS MARTÍ
    DE SÃO PAULO

    02/09/2014 01h30

    Um dos maiores nomes do design brasileiro, criador da famosa poltrona Mole, Sergio Rodrigues morreu, aos 86 anos, na manhã desta segunda (1º), em seu apartamento, no Rio. Segundo a mulher do designer, a causa da morte foi metástase de um câncer que ele enfrentava havia 12 anos.

    Nascido em 1927, Rodrigues começou sua carreira como arquiteto, tendo trabalhado no projeto do Centro Cívico de Curitiba. Mesmo com cerca de 200 obras construídas em todo o país, a maioria delas casas, Rodrigues se firmou como designer de móveis.

    No entanto, suas estratégias de construção tanto em móveis quanto nos prédios que criou eram muito próximas, pensando sempre na natureza dos encaixes de madeira, que ele comparava ao uso de letras num alfabeto.

    "Isso caracteriza bem os meus móveis", disse Rodrigues à Folha em janeiro deste ano, às vésperas de abrir uma exposição em Nova York. "É a minha maneira de encarar a madeira, os encaixes."

    Rodrigues despontou no cenário do design nacional com sua poltrona Mole, lançada em 1957, e estava em diálogo com os maiores pensadores do modernismo arquitetônico no país, tendo sido escalado por Lucio Costa para criar muitos dos móveis dos prédios de Brasília.

    Desde então, seus móveis em madeiras do país são considerados ícones de brasilidade, em especial por romper com os padrões europeus que eram copiados na indústria moveleira nacional até a década de 1940. Com a descoberta do mobiliário moderno brasileiro pelo mercado estrangeiro, Rodrigues virou uma referência do país.

    Um dos pontos fortes de sua obra é a fusão do vocabulário já consolidado pelo modernismo internacional, em especial o uso expressivo da madeira nos móveis escandinavos, e elementos da cultura indígena do Brasil, enfatizando as linhas orgânicas.

    "Sou um pouco modesto, mas sei que a poltrona Mole continua sendo um ícone", disse Rodrigues na entrevista em janeiro. "Tem aquele estofamento de couro para você se atirar. Ela ainda causa um certo espanto."

    Mesmo sendo a maior obra de Rodrigues, a poltrona Mole, que está até no acervo do MoMA, em Nova York, ficou de fora de novas encomendas de móveis do designer feitas na comemoração dos 50 anos de Brasília, há quatro anos.

    TRÊS CLÁSSICOS DO DESIGNER
    Sergio Rodrigues criou móveis com conforto e brasilidade

    POLTRONA MOLE (1957) É considerada o marco zero do design brasileiro para o exterior. Foi premiada na Bienal de Cantu, na Itália, em 1961, e é parte da coleção permanente do MoMA, em Nova York. Em meio ao domínio do design racionalista, Rodrigues criou (veja desenhos ao lado) uma poltrona que serve mais para se esparramar do que para se sentar. A brasilidade está presente também nos materiais utilizados: madeira e couro.

    BANCO MOCHO (1954) Em sua primeira criação, o designer se inspirou na arquitetura simples para fazer sua leitura de um móvel muito popular, o banquinho da leiteira. O móvel de madeira com três pés torneados pode ser usado de diversas maneiras, como mesinha auxiliar, por exemplo.

    POLTRONA KILIN (1973) O móvel foi batizado com uma corruptela de esquilinha, apelido dado à sua mulher, Vera Beatriz Rodrigues. Desmontável, a Kilin é uma poltrona levíssima, com uma peça única de couro presa nas laterais por peças de madeira.

    REPERCUSSÃO

    "Ele foi o designer com talvez maior longevidade no cenário brasileiro. Foram seis décadas de atividades ininterruptas e sempre com uma criação muito fértil. Foi o primeiro a fazer uma investigação sistemática da identidade brasileira nos seus projetos.", ADÉLIA BORGES, crítica de design.

    "O Sérgio foi o grande mestre do design brasileiro, não só como criador, mas também como empreendedor, com a iniciativa de juntar arte e design dentro de uma mesma bandeira. A Oca, que ele criou nos anos 1950, era um caldeirão de arte, cultura, design.", BABA VACARO, designer.

    "Suas peças mudaram a configuração do interior da casa brasileira. Ele pensou o Brasil por meio do traço e criou móveis muito ligados ao cidadão brasileiro e ao nosso estilo de vida. Me lembro que seu escritório era muito animado.", MARIA CECÍLIA LOSCHIAVO DOS SANTOS, professora titular de design na USP.

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