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    Apesar de imagem, indústria se apoia na repetição

    VANESSA FRIEDMAN
    DO "NEW YORK TIMES"

    02/09/2014 01h30

    Folheie uma revista de moda atual e observe os anúncios das recém-lançadas campanhas de outono-inverno. E me diga se não sente aquela estranha sensação de déjà vu.

    Você não acabou de ver aquela modelo? Estamos olhando para outro bando de garotas? Mais arquitetura para dar ressonância à moda? E por aí vai.

    Existem tendências na publicidade, assim como existem tendências na passarela, e quando elas aparecem pela primeira vez é quando são mais facilmente identificadas. Como as roupas confortáveis, que devem estar em todo lugar neste outono, sejam calças amplas ou peles de carneiro enroladas; os macacões (sem alças, de renda ou de brim); ou as mangas ousadas. Os detalhes podem ser diferentes, mas os blocos construtivos são os mesmos.

    Analise o tema de uma foto, por exemplo, que nesta estação, invariavelmente, cai em uma das três seguintes categorias: mulher instigante e poderosa (a campanha da Versace chama-se "Poder e Liberdade"; a de Alexander Wang é clicada no que aparenta ser um reformatório, mas onde as mulheres estão notavelmente bem vestidas); afeto entre pessoas íntimas (como a reunião da família Campbel-Hicks na campanha da Lanvin e a Kate Moss de Stella McCartney coberta por zíperes); e o construtivismo cool (Fendi, Prada, Proenza Schouler).

    Ou analise a escolha das modelos, que também parecem obedecer a regra de três.
    Edie Campbell, a "excêntrica" modelo inglesa que se tornou famosa ao cortar o cabelo no estilo mullet e tingi-lo de preto, por exemplo, aparece nas campanhas de quatro marcas: Bottega Veneta; Alexander McQueen; Hugo Boss, em que é fotografada dando um passo com um casaco comprido; e Lanvin, onde é vista com sua avó, seus pais e irmãos.

    Enquanto isso, Gisele Bündchen surge nas campanhas de Emilio Pucci; Balenciaga, onde recebeu um corte à escovinha gerado por computador; Isabel Marant; Sonia Rykiel e o supremo mestre dos sapatos Stuart Weitzman.

    E há ainda a DKNY, que supera todas as outras, com 14 "pessoas reais" das ruas de Nova York, e também com Rita Ora, que por sinal também é a estrela da campanha de Roberto Cavalli (embora as celebridades pareçam prevalecer menos nesta estação do que nos anos passados, com Winona Ryder para Rag & Bone e Amy Adams para MaxMara, dentre os poucos nomes do cinema).

    Ainda assim, talvez nada supere a primeira campanha de Nicolas Ghesquière na Louis Vuitton, que oferece um tríptico de fotógrafos renomados (Bruce Weber, Annie Leibovitz, Juergen Teller), cada um contando uma história com uma das quatro modelos (incluindo a atriz Charlotte Gainsbourg) que funciona como uma galeria de imagens -não somente um anúncio, mas uma mostra em si mesma.

    Quanto à razão para acontecer esta mescla de mentes, penso que tem a ver com uma estratégia articulada pela primeira vez por Tina Brown quando trabalhava na "Vanity Fair". Para ser específico: para uma marca, era melhor, mesmo sendo anti-intuitivo, não fazer o primeiro movimento em termos de modelos e celebridades; corre-se o risco de dobrar a curva adiante demais e acabar desaparecendo.

    Em vez disso, continuava a teoria, o melhor momento para apresentar um tema era logo após o ápice: assim que a pessoa se tornasse famosa o bastante para ser imediatamente reconhecida pelo público em geral.

    Ao mesmo tempo, o pensamento de grupo também tem a ver com uma outra realidade da moda: que apesar da imagem provocativa da indústria, de muitas maneiras, ela é extremamente conservadora. A moda gosta de fazer o que ela sabe que dá certo, ou seja: o que vende. Ou ao menos o que se constatou ter funcionado anteriormente, e isso vale para roupas (e explica a infinita reciclagem de estilos) e modelos.

    É por isso que tantas modelos mais velhas também estão nas campanhas desta estação, seja com Kate Moss em seu sétimo ano desfilando Stella McCartney, ou Stella Tennant na Versace e na Moschino, onde a ela se juntam Linda Evangelista, Karen Elson e Carolyn Murphy.

    A originalidade pode não ser necessariamente o propósito. Na verdade, originalidade demais pode acabar com o propósito.

    É preferível ser somente original o suficiente para ser reconhecido como diferente do anúncio ao lado, mas familiar o bastante para ser acessível graças ao anúncio ao lado -é este o ponto ideal para o consumidor. É este o ponto em que um espectador passa, de pensar "meu Deus, por que eu iria querer uma jaqueta de motociclista amarrotada desse jeito?" a ter visto tantas jaquetas de motociclista amarrotadas que, de repente, uma página, em vez de ser virada, é marcada.

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