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    Peça lança novo olhar sobre a rainha d. Maria 1ª, considerada 'excêntrica'

    SYLVIA COLOMBO
    DE SÃO PAULO

    03/09/2014 02h00

    O conhecimento popular brasileiro sobre a rainha d. Maria 1ª (1734-1816), mãe de dom João 6º (1767-1826), ainda reproduz o lugar-comum construído por envelhecidos livros didáticos.

    Repete-se que ela era "louca", que gritava estar vendo um demônio no Pão de Açúcar, e tinha de ser acalmada por banhos frios e sangrias.

    Uma boa dose de simpatia, porém, lhe é destinada. Sua frase mais famosa demonstra a lucidez só cabível a um lunático, dita quando a família real embarcou às escondidas para o Brasil, em fins de 1807: "Não corram! Vão pensar que estamos fugindo".

    Lenise Pinheiro/Folhapress
    A atriz Lu Grimaldi em cena do espetáculo 'Palavra de Rainha
    A atriz Lu Grimaldi em cena do espetáculo 'Palavra de Rainha'

    Simpatia coroada (com o perdão do trocadilho), ainda, com o fato de os detentos do Carandiru terem apelidado de "maria-louca" uma aguardente produzida ilegalmente nas cadeias.

    A peça "Palavra de Rainha", que estreia no próximo dia 13, em São Paulo, oferece uma nova interpretação da personagem, tentando entendê-la do ponto de vista de uma universal e atemporal melancolia feminina.

    A atriz Lu Grimaldi, 60, conta que se interessou pelo personagem quando passava por um período de reflexão sobre o envelhecimento.

    "Fui a Lisboa e fiquei intrigada com a história dela. Perdeu seis filhos, foi arrancada de seu país. Vivia atormentada pela culpa católica. Quem não enlouqueceria? Os médicos da época não sabiam como tratar a dor das mulheres."

    D. Maria 1ª, que em Portugal era chamada de "piedosa", por suas obras beneficentes, foi tratada por especialistas ingleses, cujos remédios pareciam os mais ineficazes. "Mandavam que ela andasse no Tejo, quando ela havia feito isso a vida toda. Ou seja, não havia conhecimento suficiente das doenças mentais e da depressão", comenta Grimaldi.

    O texto de Sergio Roveri e a direção de Mika Lins privilegiam a reconstrução artística de seus devaneios. "Não se trata de uma obra didática, seus pensamentos estão à deriva, por isso o cenário evoca o mar", diz Lins.

    Com um longo vestido negro (200 m²) que toma todo o palco e ao mesmo tempo a aprisiona, d. Maria vaga ora perguntando onde está o filho, dom João, ora inquire o marquês de Pombal, a quem afastou do poder, ora pede perdão a Deus.

    "Eu rogo humildemente que o senhor me absolva dele, do sonho, já que da maioria dos meus pecados eu nem me lembro mais", suplica.

    Um dos fantasmas que mais assombram d. Maria é o de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes (1746-1792), cuja ordem de execução ela assina. Depois, fica imaginando que pode encontrar a cabeça do alferes pendurada num poste, indagando-lhe o motivo da condenação.

    D. Maria morreu aos 81, no Rio, cidade que ela percorria de carruagem e que se acostumou a seus gritos melancólicos durante a noite.

    PALAVRA DE RAINHA
    QUANDO estreia dia 13, às 21h; sex., às 21h30; sáb., às 21h; dom., às 20h; até 30/11
    ONDE Teatro Viradalata, rua Apinajés, 1.387; tel. (11) 3868-2535
    QUANTO R$ 30
    CLASSIFICAÇÃO 12 anos

    *

    MULHERES IMPERIAIS NA HISTÓRIA

    REPAGINADAS
    Essas passaram por revisão histórica

    IMPERATRIZ LEOPOLDINA (1797-1826)
    A esposa de dom Pedro 1º entrou para a história como uma mulher negligenciada pelo marido e humilhada pelas amantes dele. O estudo de sua correspondência deu ênfase à ideia de mulher culta e de importância estratégica nas decisões que levaram à Independência do Brasil

    CONDESSA DE BARRAL (1816-1891)
    Preceptora das filhas de Pedro 2º, essa nobre de origem baiana foi o grande amor da vida do imperador. Conhecida antes apenas como "amante", a condessa foi mulher influente na Corte, próxima de outros membros da família real, como o conde d´Eu. A condessa manteve ligação com o imperador brasileiro por várias décadas

    CARLOTA JOAQUINA (1775-1830)
    Tida como extravagante e promíscua, a mulher de dom João 6º ficou imortalizada pela caricatura mostrada no filme homônimo de Carla Camurati. Nos últimos tempos, o estudo de sua correspondência revelou mulher articulada, que durante o exílio no Brasil trabalhou para a restauração da monarquia espanhola

    DANDO UM RETOQUE
    As que estão chamando atenção de estudiosos

    IMPERATRIZ TERESA CRISTINA (1822-1889)
    Quando chegou ao Rio, a nobre italiana decepcionou o futuro marido, dom Pedro 2º. Era manca e não muito bonita. Ficou na história como uma personagem quieta e discreta. Agora, conhece-se um pouco mais sobre seus interesses em arqueologia e sua dor ao deixar o Brasil

    D. MARIA 1ª (1734-1816)
    A mãe de dom João 6º viveu muitos anos enclausurada. As dores ao longo da vida, a morte dos filhos e do marido, o temor pelo fim das monarquias na Europa e o exílio potencializaram sua demência. Seu reinado em Portugal, porém, tem sido reinterpretado como um período de avanços econômicos e comerciais

    LARGADAS
    Ainda menosprezadas por historiadores atuais

    PRINCESA FRANCISCA (1824-1898)
    Figura que aparece discretamente nas biografias de dom Pedro 2º, a "mana Chica", sua irmã mais velha, teve vida aventuresca na França e esteve por trás dos casamentos das sobrinhas, Isabel e Leopoldina. Muito bela e culta, fazia sucesso na Europa e era ferrenha opositora da República

    PRINCESA LEOPOLDINA (1847-1871)
    A filha mais nova de dom Pedro 2º morreu muito cedo, aos 23, na Europa. Durante a curta vida, causou furor na Corte do Rio. Mais bonita que a irmã, a carola Isabel, Leopoldina tinha mais sucesso no amor e acabou engravidando antes da verdadeira herdeira do trono, causando grandes crises de ciúme e intrigas

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