"Boa Noite a Todos", novo livro de Edney Silvestre, compreende duas obras —uma novela e um monólogo teatral— com tramas coincidentes e escritas em paralelo, como ele explica no texto que fecha o volume.
Em ambas, temos Maggie, "senhora de idade indefinida" que se hospeda num hotel (ao que tudo indica, no Rio de Janeiro) com propósitos suicidas.
A decisão se deve menos a traumas ou a um estado depressivo do que à impossibilidade de viver o luto e a melancolia.
Após uma sucessão de pequenos derrames, Maggie está perdendo a memória, tem lapsos de linguagem, confunde nomes até mesmo de pessoas muito próximas: os três maridos, a mãe que se suicidou, a irmã que ela levou à morte ao manter relação adúltera com o cunhado.
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Fernanda Montenegro e Edney Silvestre no lançamento do livro, no Teatro Leblon |
Esse drama subjetivo e familiar é também (ou sobretudo) a imagem condensada de ilusões sociais tragadas pelo tempo.
Maggie teve vida glamourosa nos anos 1960 e 70, como filha de um funcionário do Instituto Brasileiro do Café, em Londres. Foi casada com o herdeiro norte-americano de uma rede varejista, com um produtor austríaco de filmes de faroeste e com um especulador paulista.
Eles pagaram as roupas com as quais ela desfilava por hotéis de luxo, festivais de cinema e salas de óperas. Agora, enquanto realiza sua cerimônia de adeus, na "suíte pretensamente parisiense, no topo do hotel erguido no surto desenvolvimentista do Brasil Grande", recapitula abandonos e golpes sofridos.
DECADÊNCIA
A atmosfera decadendista de "Boa Noite a Todos" remete ao clima pesado das peças de Eugene O'Neill (1888-1953) e Tennessee Williams (1911-1983), em que surtos psicológicos são sintomas de uma depressão que é também econômica.
Desde seu romance de estreia, "Se Eu Fechar os Olhos Agora", Silvestre mostrou excepcional habilidade para abrir, nos dramas de suas personagens, fissuras pelas quais se enxerga a história contemporânea.
Boa Noite a Todos |
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Aqui, ela aparece de modo compassivo e cruel com a voz de um narrador que, na novela, fustiga as lembranças lacunares da protagonista.
A beleza discreta de Maggie, cujo rosto lembra Jackie Kennedy, evoca todo um sonho brasileiro de emancipação internacional e é atravessada por referências crepusculares a atrizes do passado (como Florinda Bulcão) e a músicas que pontuam seu monólogo terminal, como as deslumbrantes "Quatro Últimas Canções", de Richard Strauss.
Ao mesmo tempo, os lapsos de memória de Maggie são a denegação de um colapso maior, dessas alianças sociais equivocadas que a escrita repetitiva, monomaníaca, de Edney Silvestre transforma em beco sem saída.
BOA NOITE A TODOS
AUTOR Edney Silvestre
EDITORA Record
QUANTO R$ 28 (208 págs.)
AVALIAÇÃO bom