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    Ensaísta americana Camille Paglia inclui 'Star Wars' na história da arte

    ELEONORA DE LUCENA
    DE SÃO PAULO

    06/09/2014 02h10

    "O mercado de arte hoje é um espetáculo grotesco de pretensão e ganância. Obras de arte são tratadas como objetos frios de investimento financeiro, exatamente como diamantes, mansões ou carros esportivos. Artistas de destaque do passado e do presente se tornaram marcas, sendo promovidos como empresas comerciais lucrativas."

    Quem faz a avaliação é a ensaísta Camille Paglia, 67, professora de humanidades e estudos de mídia da universidade de artes da Filadélfia (EUA). Para ela, "obras de arte viram notícia apenas quando são roubadas ou leiloadas por alguma quantia obscenamente alta".

    Conhecida por textos polêmicos como "Personas Sexuais" (1990), Paglia está lançando no Brasil seu último livro: "Imagens Cintilantes, uma Viagem Através da Arte Desde o Egito a Star Wars". Nele, percorre a história das artes plásticas, a partir de 29 obras pinçadas como representativas de movimentos, estilos e contextos sociais.

    Divulgação
    Anakin Skywalker e Obi-Wan Kenobi no clímax de 'Star Wars: Episódio 3 - A Vingança dos Sith
    Anakin Skywalker e Obi-Wan Kenobi no clímax de 'Star Wars: Episódio 3 - A Vingança dos Sith'

    Em entrevista à Folha, ela lembra que obras grandiosas —como as pirâmides de Gizé, no Egito, o Partenon, em Atenas, a catedral de Notre Dame, em Paris, ou Machu Picchu, no Peru— foram feitas para glorificação e propaganda de governos ou religiões. "Esses projetos foram quase sempre encomendados e construídos em períodos de grande desigualdade econômica entre a classe dominante e os camponeses que fizeram o trabalho real".

    Imensos recursos foram desviados de necessidades básicas para erguer monumentos, anota ela. "Esse fato cruel sobre a arte deve ser enfrentado e reconhecido: a grande beleza tem sido frequentemente atingida ao custo da injustiça social".

    Paglia define o rococó como "o símbolo máximo da artificialidade aristocrática, totalmente divorciado da realidade social". Seu exemplo do estilo é o Hôtel de Soubise, com suas salas brancas bordadas de ouro. Enquanto ele era erguido com exuberante ornamentação em Paris, a fome grassava no país, construindo as bases para a Revolução Francesa de 1789.

    Algum paralelo com a ostentação dos dias de hoje? "Ironicamente, os valores estéticos durante o frívolo e decadente rococó eram muito mais honrados do que no mercado de arte de hoje", declara.

    Para compor o livro, Paglia conta que escolheu obras que tivessem um "impacto dramático para o grande público que não vai regulamente a museus ou estuda arte". Como a estátua de bronze "O Auriga de Delfos" (475 a.c.), que "representa a graça e a força do atleta vitorioso, ainda adorado em todo o mundo".

    "Quero mostrar como a grande arte nunca envelhece, como ela retém frescor e surpresa depois de centenas ou até milhares de anos", afirma. A ensaísta acrescenta que suas escolhas também foram motivadas por sua crença na "espiritualidade da arte".

    Paglia constata com aflição a avalanche tecnológica de computadores e celulares e a vertigem que isso provoca. "O senso estético está sendo assaltado e entorpecido. O cérebro humano não pode absorver e processar tantos constantes e erráticos estímulos", diz. Ela defende um olhar com calma e disciplina.

    "Atenção visual e concentração são cruciais para o desenvolvimento emocional e intelectual. Preocupações triviais desaparecem quando se contempla a majestade da arte duradoura", opina.

    Imagens Cintilantes
    Camille Paglia
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    Paglia levou cinco anos para escrever o livro. A grande dificuldade foi encontrar algo original na arte contemporânea que pudesse ser comparado ao conjunto de obras-primas que ela descrevia no seu passeio por séculos de história. "Fui forçada a concluir que nada autenticamente importante e permanente estava sendo feito no mundo das artes plásticas", afirma.

    Ele observa que nos últimos 20 anos muitos jovens talentosos enveredaram para a mídia digital, desenvolvendo projetos de jogos ou vídeos para a internet. "Os gêneros tradicionais das artes plásticas, especialmente a pintura, estão perdendo energia e status cultural", diz.

    Numa madrugada, enquanto escrevia, Paglia tropeçou nos filmes da saga "Star Wars" exibidos em canais pagos de TV. Revela que ficou atordoada com os "avanços de George Lucas na animação digital e na sua capacidade de tratar com emoções com profundidade".

    "O longo final de "Revenge of the Sith" [a vingança dos Sith] supera praticamente tudo o que foi produzido nas artes plásticas nos últimos 30 anos", proclama. E argumenta:

    "O clímax desse filme ocorre em um ardente e apocalíptico planeta vulcano e é tão tempestuosamente apaixonado quanto uma ópera de Puccini. Há um tremendo duelo, em um rio vermelho de lava, entre Anakin Skywalker e Obi-Wan Kenobi, que termina na criação terrivelmente horrível de Darth Vader, o mal, meio imperialista robótico, que é uma das principais contribuições de Lucas à mitologia mundo".

    IMAGENS CINTILANTES - UMA VIAGEM ATRAVÉS DA ARTE
    AUTORA Camille Paglia
    TRADUÇÃO Roberto Leal Ferreira
    EDITORA Apicuri
    QUANTO R$ 49 (224 págs.)

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