• Ilustrada

    Friday, 03-May-2024 08:45:56 -03

    Crítica: Livro de estreia de Murilo Mendes captou do jocoso ao sublime

    FELIPE FORTUNA
    DE ESPECIAL PARA A FOLHA

    20/09/2014 02h30

    Com "Poemas" (1930), Murilo Mendes estreia em cheio na modernidade. Numa carta do mesmo ano para Mário Andrade, ele reconhece a "elasticidade do meu temperamento", que, de fato, sabe captar do jocoso ao sublime, sabe tratar da matéria e do espírito.

    O poeta tem consciência dessa trajetória de amplo espectro e das vantagens que lhe dão os principais recursos da modernidade que alcançou: "Estou alarmado com as reclamações contra os poemas-piada, gosto de fazê-los porque me dão agilidade de espírito. Mas não fico neles".

    Impressiona, em "Poemas", a diversidade das seis seções do livro, que partem da paródia em tom humorístico de um poema canônico, "A Canção do Exílio" ("a gente não pode dormir / com os oradores e os pernilongos") e chegam a "Tentações Paralelas": "O Espírito me transporta a um lugar muito alto, / me mostra teu corpo decotado."

    L Wiznitzer
    O poeta mineiro Murilo Mendes em Paris (1955), durante missões culturais pela Europa
    O poeta mineiro Murilo Mendes em Paris (1955), durante missões culturais pela Europa

    Nem mesmo "Alguma Poesia", de Carlos Drummond de Andrade, e "Libertinagem", de Manuel Bandeira —outros estupendos livros de 1930— apresentam tamanha largueza de tons e de motivos.

    Um poema como "Prelúdio" parece apresentar, com enganosa simplicidade, o projeto de um poeta que em tudo descobre novidade e, por estar também sendo projetado, aponta o futuro.

    Numa carta de 1931 –publicada nesta edição de "Poemas" pela primeira vez–, Murilo Mendes escreve a Mário de Andrade que "nem você nem o Bandeira quiseram se referir aos meus entrelaçamentos com o Ismael [Nery]".

    De fato, "Poemas sem Tempo", a seção final do livro, é dedicada ao amigo pintor e intelectual católico. Os poemas ali são caracterizados por uma estranha metamorfose das proporções, de natureza física e, sobretudo, espiritual.

    Felizmente, a falta de referência segura sobre a influência de Ismael Nery sobre a poesia de Murilo Mendes foi soberbamente corrigida por um posfácio de Silviano Santiago a esta nova edição.

    "Poemas" é um pequeno livro enorme.

    POEMAS
    AVALIAÇÃO ótimo

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024