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    Crítica: Série 'Transparent' humaniza a questão de gênero

    LAERTE COUTINHO
    DE CARTUNISTA DA FOLHA

    26/09/2014 02h29

    Há uma família americana, gente bem de vida.

    Pai e mãe separados, três rebentos já adultos: duas moças e um rapaz.

    A mais jovem tem dificuldades de estabilidade financeira e profissional.

    A irmã tem um casamento hétero, filhos e um passado homossexual que está reaflorando.

    O moço é do show business e transa com garotas jovens da sua área.

    A mãe casou-se com um homem que está em condições frágeis, mental e fisicamente.

    Este pai, título do seriado "Transparent", que teve o primeiro episódio lançado pela Amazon em fevereiro, é transgênero. Vemos que superou a fase da autopercepção e aceitação e vive a grande dificuldade de se abrir para os filhos e para o mundo.

    Tal dificuldade não será um enrosco narrativo —tudo vem à luz neste primeiro episódio.

    Há, claro, muitas conexões e tensões envolvidas além das que dizem respeito diretamente a esse "trans-pai" –mas me agrada constatar o modo como o roteiro nos dispensa de um suspense desnecessário.

    O tema —a questão de gênero— não se banalizou, mas se humanizou.

    Ele vem sendo mais e mais convocado para filmes, como em "Elvis & Madonna", "Vera", "Transamérica", "Tomboy", "Laurence Anyways" e "Aqui É o Meu Lugar". "Transparent" o faz num seriado, em registro de drama conduzido com mão suave de comédia.

    MÃO PESADA

    Há algum tempo só se ocupava dessa questão a comédia com mão pesada de farsa: homens se vestindo de mulher, mulheres se vestindo de homem, sempre em situações de tensão cômica, amplificando a ideia de ridículo e consagrando os comportamentos "normais".

    De alguma forma, gays e lésbicas já haviam sido resgatados para o campo das narrativas "dignas", da compreensibilidade dramática.

    Mas a transgeneridade precisava dessa luz moderna, sob a qual podemos, finalmente, perceber a realidade de pessoas vivendo a tensão de precisar esconder sua natureza das suas relações mais íntimas –filhos, pais, cônjuges, amigos; para não falar de colegas de trabalho e círculos sociais mais amplos.

    É uma situação que está longe de ser excepcional; ao contrário, é frequente e secreta, lutando para se fazer reconhecer e derrotar o estigma social que a associa, na visão do fundamentalismo conservador, com a perversão e a doença.

    "Transparent" conta histórias desse tempo em que tais sofrimentos podem deixar de ser inexoráveis e vidas podem deixar de ser opacas.

    NA TV
    Transparent
    Primeiro episódio da série
    AVALIAÇÃO ótimo

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