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    Crítica: Longa 'Sem Pena' expõe questões de fundo da Justiça e do cárcere no país

    ELEONORA DE LUCENA
    DE SÃO PAULO

    02/10/2014 02h40

    Um servente de pedreiro permanece dez anos preso e é inocentado em São Paulo. No Maranhão, mortes horripilantes viram rotina do cárcere. Violações de direitos, vidas despedaçadas. Julgamentos enviesados, prisões superlotadas em condições subumanas. Rebeliões, violência, falência.

    O cotidiano perverso da Justiça e do sistema penitenciário brasileiro surge em manchetes —uma realidade terrível, que muitos preferem ignorar.

    O tema complexo, escandalizado e distorcido nas matinês da televisão ganha aos poucos mais espaço nas telas, em ficções ou documentários.

    Divulgação
    Cena do documentário "Sem Pena", sobre o sistema carcerário
    Cena do documentário "Sem Pena", sobre o sistema carcerário

    Com uma abordagem original, o longa "Sem Pena", de Eugenio Puppo, entra nesse debate. Advogados, presos, professores, sociólogos, ativistas discutem a situação e apontam caminhos. Condenam a progressão geométrica do encarceramento no país, que já conta com a terceira maior população carcerária do mundo.

    Apontam o tratamento desumano que vigora nas masmorras: bandido é bicho, diz uma pessoa. Nesse descalabro, a reincidência chega a 75%, alerta um outro. E metade dos presos não deveria estar atrás das grades, calcula um especialista.

    Muito além de uma mera colagem de histórias dantescas, o documentário envereda pelas questões de fundo. Declaram os entrevistados:

    "Há um abismo social em que todos estamos afundados. Existe um litígio histórico entre incluídos e excluídos. Falta a reforma agrária.";

    "O que ocorre é o encarceramento da pobreza. A impunidade existe para determinada classes. Por que prendemos se não dá certo?";

    "O sentimento de vingança é a base material para o capitalismo funcionar."

    DENSIDADE

    Com exceção da cena de uma perturbante audiência, os rostos dos que falam não aparecem (só surgem nos créditos finais).

    O diretor traz outras imagens e, com esse efeito de início estranho, reforça o conteúdo. O importante não é quem diz, mas o que está sendo dito.

    Bem costurado e impactante, "Sem Pena" foi eleito, pelo júri popular, o melhor filme do 47º Festival de Brasília, na semana passada. Merece ser visto. Dá densidade ao necessário debate numa sociedade eivada de injustiça e vingança.

    SEM PENA
    DIREÇÃO Eugenio Puppo
    PRODUÇÃO Brasil, 2014, 12 anos
    AVALIAÇÃO ótimo

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