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    Escobarmania: Filme e séries tentam desvendar chefe de cartel colombiano

    SYLVIA COLOMBO
    DE SÃO PAULO

    03/10/2014 02h00

    "Quem não conhece sua história está condenado a repeti-la." Por 74 noites seguidas, os colombianos escutaram essa frase de alerta.

    Proferida por um vozeirão em off antes de cada capítulo da série de TV "Escobar, el Patrón del Mal" [Escobar, o chefe do Mal], a expressão tentava resumir o horror de um período de quase 20 anos em que mais de 4.000 pessoas perderam a vida por conta de ações do Cartel de Medellín.

    A organização foi a mais poderosa empresa criminosa da história da América Latina, responsável por 80% da cocaína consumida no mundo.

    Ainda que fosse um recordatório de um pesadelo nacional, em que aviões lotados de passageiros eram derrubados, bombas eram colocadas em ruas comerciais, donos de jornais eram metralhados no meio do trânsito e candidatos a presidente desabavam do palanque com um tiro no peito, mais de 10 milhões de colombianos não conseguiram tirar os olhos da telinha para reviver a trajetória de Pablo Escobar (1949-1993).

    "Aqui, na hora do programa, havia silêncio, e ouvia-se as pessoas das casas do lado rindo ou levando sustos juntos conosco", disse à Folha Carmen Moraña, moradora de Santo Domingo Favio, favela de Medellín onde o cartel recrutava sicários [matadores de aluguel] nos anos 80.

    "Revivíamos um tempo que parecia romântico, com bandidos que construíam casas para os pobres e davam lugar a nossos filhos nos times de futebol, mas agora vemos o mal terrível que causou à Colômbia", disse Moraña.

    Enquanto caminha pelas ruelas da comunidade e conta sua história à reportagem, Moraña aponta, num estabelecimento que é meio bar, farmácia e banca de jornal, o álbum caseiro de figurinhas com imagens de Escobar à venda ali.

    "Ele era uma espécie de Robin Hood, e enfrentava a elite bogotana. Dizia que vender cocaína para os americanos ajudava a combater o imperialismo e nos libertaria. Para muitos aqui, ainda é herói."

    Ao sucesso em seu local de origem, a série da TV Caracol somou mais 10 milhões de espectadores em outros 20 países, entre eles EUA, França, México e Argentina. Agora, é exibida no Brasil de segunda a sexta, às 21h, pelo + Globosat, como "Pablo Escobar: O Senhor do Tráfico" –com uma dublagem tosca que aproxima Escobar de uma caricata malandragem carioca.

    A "Escobarmania" não para por aí. Exibida há um mês no festival de Toronto, "Escobar: Paradise Lost", cinebiografia estrelada por Benicio del Toro, deve chegar ao Brasil no início de 2015.

    E o cineasta brasileiro José Padilha filma, com Wagner Moura no papel do protagonista, "Narcos", série que estreia em 2015 na Netflix.

    "Se um romancista pusesse em uma novela alguns dos episódios que Pablo Escobar protagonizou, sua história fracassaria estrondosamente por parecer tão inverossímil", escreveu o Nobel peruano Mario Vargas Llosa, para quem a série televisiva é mais envolvente do que enredos de produções como "The Wire" ou "24 Horas" por trazer fatos reais que beiram o inacreditável.

    Entre eles está a construção de sua própria prisão, La Catedral, na qual Escobar se encerrou cheio de luxos e mulheres, as maneiras geniosas que inventou para levar a droga através das fronteiras, o zoológico que montou para si mesmo com espécies raras, as peladas que armava com jogadores da seleção colombiana e o modo como assassinou de juízes de futebol que prejudicaram seu time a ex-aliados, políticos, magistrados, jornalistas e milhares de inocentes.

    APOLOGIA

    Não faltam, porém, vozes que discordam da transformação da vida do vilão em entretenimento.

    "Alguém teria de se perguntar se isso deveria ser feito. Há uma diferença de gêneros. Uma coisa é publicar uma investigação biográfica como A Parábola de Pablo', de Alonso Salazar [livro no qual se inspira o roteiro da série], outra é transformá-la num show que aproxima a história a uma apologia", diz a ensaísta Carolina Sanín.

    Já o atual diretor do jornal colombiano "El Espectador", Fidel Cano, cujo tio e dono da publicação foi morto por Escobar em 1986, diz que as obras devem ser feitas, mas considerando as vozes das vítimas.

    "Na série, a sociedade foi apresentada aos papéis assumidos pelos personagens de forma clara. Agora, se a sociedade prefere o narcotraficante, há algo mau nela, mas isso não é problema da TV", diz.

    Para o escritor Jorge Franco, que nasceu em Medellín e acompanhou o apogeu do cartel, a discussão é válida.

    "Cada país transforma seus traumas em arte à sua maneira e isso serve à reflexão, como os americanos com a Guerra do Vietnã ou os argentinos com a ditadura. A série tentou ser equilibrada, mas o carisma do personagem e a atuação brilhante do ator [Andrés Parra] fizeram com que pendesse para o lado do vilão."

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