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    Crítica: Heloisa Seixas triunfa sobre riscos do banal

    MARCELO O. DANTAS
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    04/10/2014 02h44

    "O Oitavo Selo", de Heloisa Seixas, é uma pequena joia: um livro breve, porém de delicado encanto, cuja maior virtude está na sutileza com que abarca os grandes temas da existência.

    Pode-se lê-lo de estirada, em uma tarde de domingo ou ao longo de um voo demorado. No entanto, por detrás do despojamento da autora e da aparente leveza do texto, opera inelutável força gravitacional, que nos suga para dentro da história e não permite que ela nos fuja ao encerrar-se a última página.

    O enredo não traz surpresas. Trata-se de uma quase memória dos embates do jornalista e escritor Ruy Castro, marido da autora, contra a droga, o alcoolismo e as doenças.

    Sabemos todos que o herói resiste e que continua a jogar, solerte, sua partida de xadrez contra a morte. Ainda assim, Heloisa Seixas triunfa sobre as armadilhas do banal para brindar-nos com narrativa dinâmica e magnética, que nos descortina o profundo, sem jamais impô-lo ao texto.

    São sete capítulos temáticos (os sete selos), compostos, a sua vez, de um conjunto de episódios não lineares, entremeados por brevíssimos depoimentos.

    Semelhante técnica funciona à perfeição para mostrar-nos, sem risco de tédio, o percurso de uma vida inteira. Nela, vemos o menino deparar-se com a morte e lançar-se na vida; vemos o rapaz desvendar o mundo e mergulhar no vício; vemos o homem driblar a foice para encontrar a escrita. Ao final da jornada, um lampejo de eternidade se anuncia...

    O Oitavo Selo
    Heloisa Seixas
    livro
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    Autora de grandes recursos e igual bom gosto, Heloisa Seixas faz do leitor seu sócio na construção emotiva e intelectual de "O Oitavo Selo". Ela nos diz o mínimo e nos mostra apenas o essencial. Porém, o faz com tal arte que os vazios do texto e as palavras não enunciadas nos chamam a participar, de forma ativa, da composição final de claros e sombras.

    Talvez justamente por isso a narrativa escape tanto ao melodrama fácil quanto ao memorialismo pueril, fazendo de cada um dos "selos" rompidos uma abertura paradigmática para o universal.

    Mais que uma referência ao filme de Bergman, merece este "O Oitavo Selo" as palavras que o anjo diz a são João no capítulo 10 do Apocalipse: "Toma (este pequeno livro) e devora-o! Ele te será amargo nas entranhas, mas, na boca, doce como o mel".

    O OITAVO SELO - QUASE ROMANCE
    AUTORA Heloisa Seixas
    EDITORA Cosac Naify
    QUANTO R$ 39,90 (192 págs.)
    AVALIAÇÃO ótimo

    *

    Ricardo Borges/Folhapress

    A MORTE, A MORTE, A MORTE, A MORTE, A MORTE, A MORTE E A MORTE DE RUY CASTRO As sete situações em que o escritor, personagem do livro de Heloisa Seixas, conheceu o bico do corvo

    1959 Ruy teve o primeiro contato com a morte aos 11 anos, quando conviveu por meses com as crises de hemorragia que levariam sua irmã, Ana Maria, dois anos mais nova

    1984 Foi o ultimato de uma namorada (ou talvez certa prudência diante de uma profecia) que levou o jornalista, na véspera de seus 36 anos, a largar a cocaína depois de cinco anos de consumo

    1988 Do primeiro uísque até a noite em que espatifou a cara dentro de um prato, bêbado, foram 20 anos. Foi salvo pela mulher, que o fez entrar na reabilitação antes de terminar o casamento

    2005 Um pigarro que não passava foi o primeiro sinal de um câncer na garganta, contra o qual Ruy lutou enquanto escrevia aquele que considera seu livro mais importante, "Carmen - Uma Biografia"

    2006 Ruy e Heloisa ainda temiam a metástase após o câncer inicial quando ele acordou se sentindo mal: um infarto atingira uma pequena área do coração

    2012 Depois de "quatro anos virgens", sem sustos, uma convulsão, causada por encefalite viral. De tão forte, causou uma fratura no ombro. Depois disso, Ruy pôs uma prótese de titânio e cobalto, e passou a apitar no raio-X dos aeroportos

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