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    No Itaim, Jô lê peça 'crítica a toda elite'

    ANGELA BOLDRINI
    DE SÃO PAULO

    15/10/2014 02h46

    Para o público majoritariamente feminino que lota a pequena sala na Casa do Saber, no Itaim Bibi, bairro nobre da zona oeste paulistana, o doutor em literatura inglesa José Garcez Ghirardi introduz a comédia "Tróilo e Créssida", de Shakespeare (1564-1616).

    São 20h da sexta (10), e os convidados estão reunidos para uma aula de duas horas sobre a peça que se desenrola durante a guerra de Troia, com os personagens da "Ilíada", épico do grego Homero.

    Na trama, após uma noite de sexo e juras de amor com o príncipe Tróilo, a jovem é dada aos gregos em troca de um prisioneiro de guerra.

    Eduardo Anizelli/Folhapress
    Jô chega à palestra na Casa do Saber com a atriz Maria Fernanda Cândido
    Jô chega à palestra na Casa do Saber com a atriz Maria Fernanda Cândido

    Envolve-se então com o soldado Diomédes, enfurecendo o príncipe traído, que decide se vingar.

    Ghirardi explica as origens da peça no poema homônimo do autor medieval Chaucer e os paralelos de Shakespeare com a filosofia de Hobbes e Maquiavel. A plateia, tirando um ou outro aceno de cabeça, assiste em silêncio.

    Mas quando o convidado ao lado toma a palavra, um casal saca seus smartphones e começa a fotografar e filmar o tablado dos palestrantes.

    "É uma espécie de PMDB, já sabe quem vai ganhar e logo se bandeia", diz Jô Soares, 76, arrancando risos da sala ao explicar a ida do pai de Créssida, o troiano Calchas, para o lado grego do front.

    O apresentador ficou 21 dias internado com uma infecção pulmonar e acaba de voltar a gravar o seu "Programa do Jô", na TV Globo.

    Mais magro e sem barba, está ali para fazer uma leitura dramática da tradução que fez de "Tróilo e Créssida" em parceria com o ator Maurício Guilherme.

    A atriz Maria Fernanda Cândido, sócia da Casa do Saber, na plateia, lê os papéis femininos.

    Sua tradução da peça, diz Jô, é propositalmente heterodoxa. "Ninguém fala assim, vós ides, vós voltais'. Se você montar um espetáculo com uma linguagem morta, a encenação fica morta", afirma.

    A julgar pelas gargalhadas da plateia, tem razão.

    No texto cheio de palavrões e xingamentos —"pastel de vômito" é um dos mais originais—, só a aristocracia mantém o discurso pomposo. "Quem fala as coisas importantes é o homem comum, não os nobres, que são ridicularizados."

    À Folha Jô disse ter planos de montar a peça em um futuro próximo.

    Questionado sobre a escolha de ler uma peça que, segundo o próprio Jô é uma crítica a "todas as elites", no Itaim Bibi —onde 26% dos moradores ganham mais de dez salários mínimos, terceiro maior percentual da cidade, segundo o IBGE—, o apresentador irritou-se.

    "Queria que eu lesse onde? Você tem algo contra a Casa do Saber?"

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