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    Crítica: Assayas volta a exibir paixão pelas deteriorações do tempo

    INÁCIO ARAUJO
    CRÍTICO DA FOLHA

    16/10/2014 02h23

    Tudo em "Acima das Nuvens" se decide entre o passado e o presente. A ênfase no tempo começa pela situação imediata em que é colocada a célebre atriz Maria Enders (Juliette Binoche): ela é convidada a fazer um papel na peça do dramaturgo Wilhelm Merchior que a tornou uma estrela muitos anos atrás.

    A diferença, angustiante, é que Maria no passado fez o papel da mocinha Sigrid. Desta vez ela fará o papel da senhora Helena. Pode ser mais evidente a marca que o tempo imprime em cada um de nós?

    Essa marca só percebem, na verdade, os que envelhecem. Pois a assistente de Maria, Valentine (Kristen Stewart), assim como Jo-Ann (Chloë Grace Moretz), a jovem estrela de cinema que fará o papel que um dia foi de Maria, nem sequer se dão conta do que seja a duração: elas existem no imediato. Esse é o seu reino.

    Divulgação
    Longa "Acima das Nuvens" mostra estilo acadêmico de diretor francês
    Longa "Acima das Nuvens" mostra estilo acadêmico de diretor francês

    A isso, Olivier Assayas (cuja paixão pela inevitável deterioração que o tempo acarreta em vários níveis é constante: ver "Carlos" e "Depois de Maio") acrescentará a morte de Willhelm: marca mais definitiva do correr inexorável do tempo.

    A angústia em face desses acontecimentos, Maria Enders vivenciará intensamente. Numa das boas sequências do filme, aliás, ela verá na casa de Wilhelm a um velho filme, a que reprova por ser pouco nítido e em preto e branco. A viúva do escritor responderá que ele gostava dessas imagens, justamente por serem antigas: porque elas vêm de longe.

    A angústia de Maria rebate na sua dúvida: deve aceitar o papel? Porque cada pedaço do texto enfatiza a distância entre a juventude e a maturidade. E cada cena do filme passa a nos informar sobre as transformações do mundo: o comportamento das jovens, o filme hollywoodiano protagonizado pela jovem estrela, a maneira de se comportar, de falar, de idolatrar e menosprezar a grande artista.

    Com isso, Assayas vai aos poucos gestando um novo tema para seu filme: o teatro e a vida, suas diferenças e semelhanças. Elas se refletem nas diferentes visões que Valentine e Maria têm do próprio texto.

    A todos esses aspectos, cada um deles muito interessantes, vem somar-se, no entanto, uma sombra mais densa do que as nuvens do desfiladeiro a que se refere o título do filme: não raro parece que Assayas está evoluindo para uma direção um tanto acadêmica, que lembra bem mais o François Truffaut de "A Noite Americana" (1973) do que o Assayas de "Carlos" (2010): tem classe, mas falta algo de realmente vivo ali, tão vivo quanto as magníficas sequências iniciais do filme.

    ACIMA DAS NUVENS
    (clouds of Sils Maria)
    DIREÇÃO Olivier Assayas
    ELENCO Juliette Binoche, Kristen Stewart, Chlöe Grace Moretz
    PRODUÇÃO França, 2014, 10 anos
    AVALIAÇÃO bom

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