Dois especialistas ouvidos pela Folha concordam com a semelhança, mas divergem sobre o o suposto plágio da música "Sue (Or in a Season of Crime)", lançada por David Bowie há uma semana.
A lebre foi levantada pelo jornal francês "Le Monde". "É possível ouvir ecos de Björk, de Scott Walker, de Robert Wyatt, de jazz dissonante, mas sobretudo de uma melodia muito conhecida por amantes da música brasileira: 'Cais'", dizia o texto do diário francês.
Para o perito em fonética forense Ricardo Molina, o paralelo com "Cais" (1972), de Milton Nascimento, é tamanho que "o conceito de plágio poderia ser adequadamente aplicado".
Mas ele faz uma ressalva: "Há na verdade uma sequência de nove notas idênticas no começo da canção. Uma sequência de apenas nove notas, stricto sensu, não poderia ser considerada, tecnicamente, um plágio".
No entanto, em sua visão, o restante de "Sue" é apenas uma "variação boba" desse tema inicial. "A canção de Bowie, em termos de melodia, se sustenta nas mesmas notas iniciais de 'Cais', e apenas nelas. Sem 'Cais', 'Sue' não poderia existir."
Já o crítico da Folha Sidney Molina (sem parentesco com o perito) afirma que "é uma sequência muito básica, um trecho de escala que, se procurarmos, vamos achar em dezenas de músicas."
"Há um motivo ou célula musical que é o mesmo, mas eles começam diferentemente e se desenvolvem diferentemente. Ressaltaria que a sensação de semelhança não advém apenas das relações entre as notas, mas também de analogias rítmicas entre os dois trechos."
Para o advogado Pedro Szajnferber Carneiro, não há definição técnica de como se configura o plágio. Segundo ele, para se resolver uma disputa judicial, especialistas devem ser consultados para conferir as semelhanças em diversos fatores: notas, compassos, métrica etc.
HOMENAGEM
Em reportagem da Folha, na última quinta (16), Ronaldo Bastos, parceiro de Milton na composição de "Cais", disse não acreditar em plágio. Ele e Milton sugeriram ter havido homenagem à sua música.
Bowie também teve uma parceira em "Sue", a compositora americana Maria Schneider (homônima da atriz).
Admiradora assumida de MPB, Schneider afirmou à Folha que "não há nem mesmo remotamente uma inspiração ou influência vinda de 'Cais'", embora reconheça que Milton seja "um dos maiores compositores" que ela conhece.