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    Crítica: 'Juana aos 12' é metáfora da crise da Argentina neoliberal

    SYLVIA COLOMBO
    DE SÃO PAULO

    24/10/2014 02h19

    Quem acompanha a produção recente do cinema argentino já se acostumou com o retrato que este entrega da classe média do país vizinho.

    Nos cafés, conversas, intrigas e lamúrias. Nos escritórios mal arejados do centro da cidade, o cotidiano sufocante e melancólico, mas com lugar à poesia. E, nas charmosas ruas e esquinas de Buenos Aires, o espaço para o romance ou para as pequenas trapaças.

    "Juana aos 12" traz um outro mundo ao espectador. Temos aí a Buenos Aires dos subúrbios endinheirados, das festas à fantasia e das escolas bilíngues.

    Divulgação
    Cena do filme 'Juana aos 12', de Martín Shanly
    Cena do filme 'Juana aos 12', de Martín Shanly

    Algo tradicional, mas que havia virado febre nos anos Menem (1989-1999), esses colégios em que as crianças aprendem inglês junto com o castelhano, encenam peças e fazem retiros e acampamentos só no idioma de Shakespeare são o cenário de "Juana aos 12", filme de estreia de Martín Shanly, 26.

    Criado nesse ambiente, o jovem diretor realiza um questionamento muito pessoal, ao colocar em cena as próprias mãe e irmã, esta última como protagonista.

    Juana é uma adolescente que não se ajusta. Conhece as respostas, mas está desinteressada todo o tempo. A mãe, preocupada, a leva a uma série de especialistas, sem questionar que o problema talvez seja o fato de a menina não sair nunca do ambiente protegido da escola e da casa ou do carro da mãe, que a leva a todo lado.

    Desesperada para fazer amigos e ser amada, Juana faz maldades, confronta-se com sentimentos ruins, e identifica-se, sem saber muito o porquê, com a imagem da sofrida pintora mexicana Frida Kahlo, pendurada na parede, atrás da mesa da tagarela professora particular a quem não suporta.

    O filme termina por ser um retrato de uma Argentina hoje exposta à chacota dos apoiadores do atual governo esquerdista de Cristina Kirchner.

    Os que estão em cena são os responsáveis pelos chamados "anos do neoliberalismo", quando a economia estava dolarizada e a sensação de muitos era que se podia comprar de tudo. O sonho acabou em 2001, com a crise e a desvalorização repentina e brutal do peso, a moeda local.

    Filme que aparenta ser pessoal e auto-reflexivo, "Juana aos 12" retrata, na verdade, o encolhimento de todo um projeto político em tempos de governo populista. A possibilidade e a iminência da reação de Juana expõe uma Argentina que esboça acordar novamente em breve.

    JUANA AOS 12
    (JUANA A LOS 12)
    DIREÇÃO Martín Shanly
    PRODUÇÃO Argentina, Áustria, 2014, livre
    MOSTRA sex. (24), às 19h50, no MIS; dom. (26), às 14h, no Reserva Cultural
    AVALIAÇÃO bom

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