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    Imperfeições de Cuba ressoam na alma em 'Retorno à Ítaca'

    INÁCIO ARAUJO
    DE CRÍTICO DA FOLHA

    27/10/2014 02h15

    "Retorno à Ítaca" é um filme sobre um escritor que volta a Cuba após um longo período de exílio e reencontra um grupo de antigos amigos. É um filme sobre Cuba, de acordo. Mas, antes disso, convém dizer que é um filme sobre a maneira como certos estados do Estado incidem sobre nossas existências.

    O diretor Laurent Cantet já fez isso quando tratou de um desempregado na França ("Recursos Humanos"), ou dos jovens prostitutos do Haiti ("Vers le Sud"). Mesmo "Entre os Muros da Escola" trata de uma transformação no sistema de ensino público francês em vista da imigração.

    Este "Retorno" (escrito com Leonardo Padura) começa como um alegre reencontro. Aos poucos, porém, aparecem os problemas: por que Amadeo voltou? Por que não voltou antes e deixou a mulher morrendo de câncer?

    A partir daí surgem outras questões: há o pintor que deixou de pintar; o engenheiro que vive de fabricar baterias clandestinamente; a médica que sobrevive com o dinheiro que seus filhos mandam da Flórida...

    Toda esta geração traz a sombra da grande crise do fim da URSS, por certo. Mas não só. Porque a horas tantas aparece a figura de Eddy (Jorge Perugorría): o dirigente político, o vendido, o corrupto.

    A visão de Cantet (e Padura, certamente) é sombria, mas não passa pela clivagem ideológica habitual: nem há defesa ostensiva do sistema, nem anticomunismo profissional em questão. O que rola é uma espécie de longa jornada noite adentro, em que sonhos perdidos da adolescência e amarguras da maturidade derivam para conflitos e duras diferenças pessoais.

    Não há mais o sonho da Cuba revolucionária neste filme sem concessões: nem ao encanto turístico das praias ou da música cubana. Pouco se vê além do terraço onde se reúnem os personagens.

    Mas tudo o que se vê dá uma ideia da modéstia, dos problemas da cultura cubana. Em "Retorno à Ítaca" o que se dá a ver é um país real, cujas imperfeições, aliás enormes, ressoam fortemente na alma, quando não no corpo, de cada personagem.

    RETORNO À ÍTACA
    (RETOUR À ITHAQUE)
    DIREÇÃO Laurent Cantet
    PRODUÇÃO França, 2014, 16 anos
    MOSTRA seg. (27), às 11h, na Faap
    AVALIAÇÃO ótimo

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