A entrevista e o relato em primeira pessoa são recursos tão recorrentes no documentário que raras vezes duvidamos do poder de verdade da palavra, mesmo a de quem mente por profissão ou a dos que só o fazem por lazer.

"A Vida Privada dos Hipopótamos", trabalho em dupla dos diretores Matias Mariani e Maíra Bühler, aparenta seguir essa convenção.

Quem conduz a história é Christopher Kirk, um nerd americano que, movido pela vontade de romper com um cotidiano vulgar, foi para a Colômbia à procura dos hipopótamos do narcotraficante Pablo Escobar.

	Divulgação
	Cena do filme "A Vida Privada dos Hipopótamos", de Maíra Bühler e Matias Mariani

Lá, ele se apaixonou por uma garota, sempre nomeada no filme pela inicial V.

Durante o seu relato, Kirk aparece diante de um quadro negro, sentado numa carteira, como se estivesse em uma sala de aula. Mas o uniforme e as menções ao tráfico de drogas revelam que o personagem está na prisão.

'DOCUMENTIRA'

Numa primeira camada, o filme parece ser uma reconstituição de motivos, com a descrição de como Kirk se envolveu com V. e a progressão de sua paixão, permeada pelas dúvidas que as atitudes dela passaram a provocar.

Mais astuto, porém, é o modo como o filme organiza os fios do relato e evita contrapor uma perspectiva objetiva à reconstituição subjetiva.

Dados extraídos do computador pessoal do protagonista misturam-se a telas de chats e a vídeos do YouTube.

Este acúmulo funciona como um processo de reconstrução que, no entanto, fica sempre parcial, inacabado.

É como a face de V., que nunca chegamos a ver totalmente.

Mais do que alcançar a verdade ou extrair uma lição, o interesse do filme é pela fabulação, pelo poder de convencimento da narrativa, indiferente à distinção entre documentário e "documentira".

A VIDA PRIVADA DOS HIPOPÓTAMOS
DIREÇÃO Matias Mariani e Maíra Bühler
PRODUÇÃO Brasil, 2014, 10 anos
MOSTRA qua. (29), às 17h50, na Cinesala Sabesp
AVALIAÇÃO bom