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    Crítica: Humor encanta em autobiografia da loucura

    TATI BERNARDI
    COLUNISTA DA FOLHA

    01/11/2014 02h17

    Difícil escrever a resenha de "Parafusos", da aclamada quadrinista americana Ellen Forney (o livro bombou na lista dos mais vendidos do "New York Times" e foi apontado como um dos quadrinhos do ano pelo jornal "Washington Post"), sem falar da minha absoluta identificação.

    Devorei o livro em uma única tarde e assustei meu cônjuge com risos histéricos e algumas lágrimas gordas.

    Ellen foi diagnosticada bipolar aos 30 anos e se viu obrigada a tomar muitos antidepressivos e tarjas pretas (testou vários por anos até que começou a se sentir mais equilibrada).

    Divulgação
    Imagem do livro 'Parafusos', nova HQ da americana Ellen Forney
    Imagem do livro 'Parafusos', nova HQ da americana Ellen Forney

    Seu grande medo era que os remédios destruíssem a sua criatividade e a transformassem em mais uma sem graça civil de emoções embotadas.

    O risco de toda autobiografia da loucura é cair no pedantismo. Ainda que flertar involuntariamente com o declínio da existência possa soar meio "tadinho", o narrador que mitifica uma doença sempre pode ficar um pouco arrogante ao estilo "ei, você, normalzão aí, que vidinha merda, hein?!".

    Mas a artista conseguiu, com traços certeiros, delicadeza e humor, conquistar o lugar de anti-heroína problemática e transparente, que tem algo a dizer a um mundo cada vez mais (psiquiatricamente) doente.

    Durante as páginas em que ela narra a sua euforia desmedida para fazer festas de aniversário, transar alucinadamente com amigos e desconhecidos e promover uma sessão de fotos sensuais entre as colegas de natação, você torce muito para que ela jamais comece a tomar os remédios (que mulher incrível!).

    Mas na sequência, como era de se esperar de uma pessoa em episódio maníaco, Ellen chega desesperada a sua psiquiatra para começar o tratamento: ela está há semanas conseguindo se locomover apenas da cama para o sofá.

    Parafusos
    Ellen Forney
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    Graças a sessões de terapia, comprimidos, ioga, acupuntura, amigos, familiares e trabalho (o que certamente a ajudou mais do que tudo isso), o final do livro é positivo.

    E isso não é spoiler, basta dar um Google para ver a quadrinista vivinha e aparentemente bem: sim, dá para ser medicada e criativa (talvez até mais)!

    Ellen Forney divaga sobre um certo "charme" em pertencer a um grupo de artistas com transtorno de humor, representado por Van Gogh, Georgia O'Keeffe e Sylvia Plath.

    Mas, para nossa sorte, ela também resolveu ficar no clube dos vivos.

    PARAFUSOS
    AUTOR Ellen Forney
    EDITORA Martins Fontes
    TRADUÇÃO Marcelo Brandão Cipolla
    QUANTO R$ 39,90 (256 págs.)
    AVALIAÇÃO bom

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