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    Artistas criam 'Departamento de Obras sobre a Seca' em São Paulo

    FABIO VICTOR
    EDITOR-ADJUNTO DA "ILUSTRADA"

    09/11/2014 02h00

    Não adianta tapar o sol com a peneira: as chuvas que caíram nos últimos dias em São Paulo mal serviram para fazer cócegas nos reservatórios que abastecem a região metropolitana da capital e não amenizaram a fatalidade de que o Estado vive neste 2014 uma das maiores crises hídricas da sua história.

    Antes do refresco, enquanto tudo ardia em chamas, a Folha convidou artistas para criarem obras a partir do suplício da seca ou da projeção do que está por vir.

    Versão criativa do secular DNOCS —órgão federal fundado para resolver os males da estiagem no Nordeste, mas que também notabilizou-se por casos de corrupção—, a "Ilustrada" dá vida agora ao seu Departamento Nacional de Obras Contra (ou Sobre) a Seca.

    Arte a partir da calamidade passou a ser feita em São Paulo desde o agravamento da crise. Em outubro, uma exposição no Paço das Artes exibiu fotos e pinturas inspirados nos efeitos da seca. Um coletivo de jovens cineastas de Santos produziu o curta-metragem "Limbo", ambientado num cenário pós-apocalíptico cheio de traficantes de água.

    A pedido da reportagem, artistas plásticos, músicos, roteiristas de cinema, um escritor, um poeta e um dramaturgo criaram obras exclusivas —um deles, o dramaturgo Mário Viana, 54, na verdade recriou o clássico "Vidas Secas", de Graciliano Ramos, como uma peça de teatro transposta à São Paulo atual.

    O ilustrador Jan Limpens fez uma HQ inspirada em texto do humorista Ruy Goiaba, colunista do "F5", publicada no caderno "Eleições 2014".

    Aprigio Fonseca, 60, relacionou o craquelê pintado no filtro de barro com um leito seco de rio. "Quis estabelecer também uma conexão da impossibilidade disto (craquelê) ocorrer com o filtro (cozido e resistente) e a realidade visível nos rios e represas paulistas", afirmou o artista plástico, que vive no bairro de Pinheiros e diz que seu prédio já sofreu cortes de água da rua.

    Isso motivou outra criação, uma faixa pendurada na varanda: ADMITE-SE ÁGUA.

    Jan Limpens
    Quadrinho de Jan Limpens inspirado na coluna de Ruy Goiaba, publicado na Folha
    Quadrinho de Jan Limpens inspirado na coluna de Ruy Goiaba, publicado na Folha

    Morador da rua Augusta, na região central da capital, onde diz que ainda não faltou água, o escritor André Sant'Anna, 49, criou um conto para expressar que considera "um absurdo essas campanhas de conscientização da população".

    "Os governos só querem saber de dinheiro, de crescimento econômico, fora o que vai pelo ralo na corrupção, e ficam exigindo que as pessoas tomem menos banho, enquanto nada se exige das indústrias poluidoras, de quem joga lixo industrial nos rios etc.", diz Sant'Anna.

    "Vivo muito estressado no centro de São Paulo, com horários rígidos de trabalho, para aumentar o tempo de se fazer a barba, desligando a torneira o tempo todo. E, se deixo de fazer a barba e vou a uma reunião de trabalho, o pessoal repara, pega mal. Para se economizar água, é preciso rever várias relações sociais."

    O poema visual "Água", do poeta e designer gráfico André Vallias, 51, é, ele diz, uma "invocação" para que os paulistanos regenerem sua "rede imensa de rios, ribeirões e córregos que já primaram pela qualidade de sua água e hoje se encontram invisíveis ou transformados em esgoto a céu aberto".

    Colaboraram GIULIANA DE TOLEDO, GUILHERME GENESTRETI, IARA BIDERMAN, RAQUEL COZER e SILAS MARTÍ

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