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    Banda de Portugal que mistura kuduru e eletrônica ganha fãs pelo mundo

    RACHEL DONADIO
    DO "NEW YORK TIMES", EM LISBOA

    07/11/2014 15h53

    Em uma noite quente e enluarada de outubro, a banda Buraka Som Sistema subiu ao palco em um festival ao ar livre em Lisboa. Andro Carvalho, conhecido como Conductor, gritava as letras, enquanto Blaya, a formidável cantora da banda, saltava pelo palco em shorts curtíssimos.

    "De Portugal para o mundo!", gritou Kalaf Angelo, outro dos vocalistas, para a plateia, que variava de pré-adolescentes a aposentados, todos dançando ao ritmo forte da música.

    Criada em 2006 por dois jovens clubbers de Lisboa, a banda mistura o kuduro, um ritmo dançante angolano surgido no final dos anos 1980, com música eletrônica e um toque caribenho.

    Em um país mais conhecido pelo choroso fado —e pelo desânimo generalizado causado pela crise do euro—, a banda revela um lado de Portugal e da Europa como cadinho multiétnico. É o ritmo dançante do pós-colonialismo.

    "Eles são o oposto do fado", disse Victor Belanciano, crítico de música do diário lisboeta "Público".

    O grupo de cinco integrantes, que já excursionou por todo o planeta, lançou seu mais recente álbum, "Buraka", em CD e na loja iTunes em setembro. O conhecido artista de rua Vhils, de Lisboa, codirigiu o vídeo de uma das faixas de mais sucesso, "Stoopid".

    Quando eram meninos, em Amadora, um subúrbio de classe média baixa de Lisboa, os fundadores portugueses da banda, João Barbosa (ou Branko), 34, e Rui Pite (ou DJ Riot), 36, costumavam ouvir ritmos africanos pelas janelas dos carros que passavam. Como adolescentes, começaram a frequentar a cena clubber de Lisboa, e chegaram à maioridade no mundo do MySpace, YouTube e, agora, SoundCloud, e em uma Europa de fronteiras abertas e viagens aéreas de baixo preço, o que facilitava viagens para ouvir sons novos.

    Divulgação
    Integrantes da banda Buraka Som Sistema
    Integrantes da banda Buraka Som Sistema

    BAIRRO DA BURACA

    O nome do grupo é referência ao bairro de Buraca, uma porção operária de Amadora na qual vivem muitos imigrantes de Angola e Moçambique, antigas colônias portuguesas, e eles decidiram grafar a palavra com K porque parecia mais bacana. Os integrantes descobriram sons novos por intermédio de amigos e dos CDs piratas de kuduro que encontravam em Lisboa.

    "O som foi gerado na cidade", disse o vocalista Angelo, 36, que saiu de Angola para estudar em Lisboa aos 17 anos de idade.

    "Ainda que seja muito local, tem apelo mundial —é uma forma de se comunicar, de dialogar com cenas diferentes", ele acrescentou, falando no pequeno estúdio da banda no centro da capital portuguesa. "A cena do Rio de Janeiro via a cena da Jamaica— todos esses movimentos de alguma forma fazem sentido, em larga escala. Para nós, o ritmo era uma parte do capítulo".

    A banda já excursionou pelo mundo, o que inclui Angola, Moçambique, América Latina —onde fez seu maior show até o momento, diante de uma plateia de 150 mil pessoas em Bogotá, Colômbia—, Moscou, Japão e Estados Unidos. E realiza festas de dança regulares no Lux, a histórica casa noturna de Lisboa que tem John Malkovich entre seus proprietários.

    Eles buscam sons da América do Sul e África (mais recentemente, Gana e Nigéria) na Web, e procuram fragmentos e progressões de acordes que possam servir de base a novas canções. Recentemente, eles vêm sendo inspirados pelo que chamam de Zouk Bass, uma variação eletrônica do ritmo zouk, das Antilhas francesas.

    Vuvuzela (Carnaval)

    WORLD MUSIC

    O Buraka Som Sistema "é um exemplo típico de world music urbana, uma música que está sendo criada, mixada e desenvolvida nos subúrbios das grandes cidades europeias", diz Marc Benaiche, fundador da "Mondomix", uma revista online parisiense de música e cultura mundiais.

    "É uma mistura muito genuína e muito nova, e é por que isso que, de certo modo, funciona muito bem", acrescentou sobre a banda. "é uma música que fala mais e mais aos jovens porque os jovens mesmos hoje provêm de uma mistura de etnias".

    Desde que começou a crise do euro, em 2009, milhares de jovens tiveram de deixar Portugal em busca de empregos no exterior, o que inclui emigrar para antigas colônias como Angola e o Brasil. O investimento de Angola vem ajudando a sustentar Portugal. De muitas maneiras, o Buraka Sound System revela por meio da música a maneira pela qual os países em desenvolvimento estão energizando a Europa.

    "Na Europa, estamos administrando um clima de lenta decadência", disse Barbosa.

    A banda continua fiel às suas raízes lisboetas e às suas influências: Brasil, Moçambique, Angola, Cabo Verde.

    Angelo diz: "Lisboa é muito única. Toda a estética. A dança, as cores. A cidade tem todos esses sons secretos".

    Discretos e conscientes, os membros da banda exibem uma camaradagem confortável. Todos vieram da classe média e são parte de uma geração já acostumada às suas identidades múltiplas.

    O pai de Pite, meio indiano, é natural de Moçambique, e sua mãe é portuguesa. O pai de Carvalho é angolano e sua mãe é cubana; Carvalho, 34, passou parte da infância em Cuba e se mudou para Lisboa aos 18 anos. Agora está obtendo um passaporte do Cabo Verde, o país de origem de sua mulher. "Ele é como um Jason Bourne do Terceiro Mundo", disse Barbosa, zombando do amigo.

    Stoopid

    IMPULSO

    O Buraka recebeu seu maior impulso em 2007, quando MIA, a estrela britânica do rap cujas origem estão no Sri Lanka, ligou para a banda pedindo informações sobre a cena da música em Angola. Ela terminou gravando uma canção com eles, "Sound of Kuduro", que já acumula oito milhões de visitas no YouTube. Este ano, a Adidas empregou uma das canções da banda em um anúncio de tênis que coincidiu com a Copa do Mundo do Brasil.

    Os três álbuns e um EP do grupo venderam mais de 100 mil cópias, somados, mas a maior parte da renda dos integrantes vem dos shows ao vivo. Como é fato para muitos outros músicos, hoje, a ampla disponibilidade de música gratuita online torna difícil ganhar a vida com a venda de gravações.

    Pite, Barbosa e Carvalho trabalham como DJs. Angelo escreve uma coluna para o jornal "Público" e está escrevendo um romance.

    Blaya, ou Karla Rodrigues, 27, ensina seus passos de dança enérgicos a mulheres que querem manter a forma. Ela se tornou uma pequena celebridade entre as adolescentes portuguesas.

    Depois do show ao ar livre, muitas delas foram pedir o autógrafo da cantora. "Você é tão bonita e dança tão bem", disse uma fã a Rodrigues, que é brasileira e tem imagens de seus avós tatuadas em uma de suas musculosas coxas.

    Do mundo para Portugal.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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