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    Dissidente soviético Eduard Limonov inspira livro de escritor francês

    RACHEL DONADIO
    DO 'NEW YORK TIMES'

    11/11/2014 03h00

    Emmanuel Carrère, um dos mais conhecidos escritores franceses, encontrou um personagem perfeito em Eduard Limonov, que se descreve como o Johnny Rotten dos escritores soviéticos dissidentes. O resultado é o livro "Limonov" (Ed. Alfaguara), com o subtítulo "as ultrajantes aventuras do poeta soviético radical que se tornou um vagabundo em Nova York, uma sensação na França e um anti-herói político na Rússia".

    Carrère direciona sua mescla de ficção com reportagem biográfica e o seu interesse por grandes questões para esse poeta russo cuja classificação é impossível: ao mesmo tempo um rebelde e um totalitário, um escritor obsceno de memórias semificcionais que, após anos no Ocidente, ficou ao lado dos sérvios na guerra da Bósnia e depois retornou à Rússia para se tornar um agitador político ultranacionalista.

    Carrère, cuja família materna é russa, disse que viu em Limonov algo emblemático sobre o mundo pós-soviético. Os dois se conheceram em Paris no começo dos anos 1980, e Carrère retomou o contato em 2008. Passou duas semanas em Moscou com Limonov, que tentava, sem sucesso, levar ao Parlamento o seu Partido Bolchevique Nacional, composto por um espectro de pessoas que vão de skinheads ultranacionalistas a desajustados da contracultura.

    "Depois de duas semanas, não sabia o que eu achava dele -se eu gostava dele ou não e se o achava um mocinho ou um vilão", disse Carrère, 56.

    Ilya Pitalev/Xinhua
    O dissidente soviético Eduard Limonov
    O dissidente soviético Eduard Limonov

    O livro começa com uma citação do presidente russo, Vladimir Putin: "Quem quer a União Soviética de volta não tem cérebro. Quem não sente saudades dela não tem coração". Essa complexa nostalgia é o tema central de "Limonov", assim como a interação entre o radicalismo e o revanchismo; a atração pelo fascismo, mesmo dentro da classe criativa; e a ingenuidade da "intelligentsia" ocidental ao pensar que a história, ou pelo menos o nacionalismo, acabaria depois da Guerra Fria.

    A obra se baseia em grande parte nas memórias semificcionais de Limonov. Afinal, como Carrère conseguiria saber o que passou pela cabeça do autor russo quando este fazia amor com uma de suas problemáticas mulheres ou muitas namoradas? Ou que ele teve uma experiência semelhante a atingir o nirvana quando esteve na prisão? "Não fiz checagem nenhuma", disse Carrère. "Se estiver errado, não me importo."

    Limonov, que hoje tem 71 anos e leva uma vida modesta em Moscou, chama-se na verdade Eduard Savenko. Mudou de nome como "homenagem ao seu humor ácido e combativo, porque 'limon' significa limão, e 'limonka' é uma gíria para um tipo de granada de mão", escreve Carrère. Depois de fazer trabalhos subalternos e cometer pequenos crimes, Limonov começou a escrever poesia. Em 1974, fugiu de Moscou para Nova York.

    Ao contrário de Joseph Brodsky e Yevgeny Yevtushenko, poetas dissidentes a quem ele inveja e despreza, Limonov teve uma vida marcada pelas drogas, pela violência e pelo sexo.

    Quando Limonov chegou à França, em 1980, estava desfrutando do sucesso de "It's Me, Eddie", livro de memórias fictícias sobre sua vida em Nova York.

    "O que ele tem na cabeça é medonho", escreve Carrère, "mas você precisa admirar a honestidade com a qual ele descarrega isso: ressentimento, inveja, ódio de classe, fantasias sádicas, mas sem hipocrisia, sem constrangimento e sem desculpas".

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