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    Crítica: 'Trinta' sacrifica a favela em favor de espetáculo tradicional

    INÁCIO ARAUJO
    DE CRÍTICO DA FOLHA

    13/11/2014 02h26

    Tudo que o manual de roteiros preconiza "Trinta" tem: um protagonista (Joãosinho Trinta, claro), um antagonista (o chefe de barracão), um comparsa (o rapaz do bar), um acaso feliz (a briga entre o chefão do Salgueiro e o antigo carnavalesco), um acaso infeliz (a ruptura com seu mestre que brigou com a escola), um objetivo a alcançar (impor-se como carnavalesco), um obstáculo a superar (o tempo para montar o desfile).

    Não falta nem essa convenção recente do roteiro americano: os aplausos triunfais ao final de uma grande tarefa. Nada, em "Trinta", navega fora dos conformes. Estamos numa epopeia pessoal da qual Paulo Machline teve o bom senso de isolar só uma parte (nada daquelas biografias do feto ao túmulo), levando-nos, porém, a momentos capitais de sua formação, e até de maneira bem sintética: bailarino do Municipal, cenógrafo, autodidata.

    Divulgação
    Matheus Nachtergaele vive o carnavalesco no filme 'Trinta'
    Matheus Nachtergaele vive o carnavalesco no filme 'Trinta'

    Enfim, Joãosinho era o cara, por excelência, para aproximar o popular e o erudito, a ópera e a escola de samba. Mas seria essa virtude assim tão indiscutível? Joãosinho é o profeta do luxo, sabe-se. Mas o que, a rigor, significa isso?

    Estamos em 1973, 1974: há ditadura, censura e tortura, mas também os avanços econômicos do "Brasil Grande". Nesse sentido, "Trinta" não se distingue da maior parte dos filmes brasileiros (exceção: os pernambucanos), incapazes de absorver algo além da história que contam. Mesmo a favela é sacrificada em favor do espetáculo: nem em comerciais se vê uma favela tão limpinha, tão harmônica e feliz.

    "Trinta" fala, épica e sentimentalmente, de um triunfo pessoal. Tem um artesanato bem correto (é a "qualidade brasileira") e sabe usar a chamada "production value". Mas, se olharmos ao lado, não muito longe, agora mesmo, vemos em "Relatos Selvagens" essa capacidade de articular eventos cômicos à tensão social argentina. Nisso o filme fracassa: ao servir à convenção, fecha os olhos ao resto.

    TRINTA
    DIREÇÃO Paulo Machline
    ELENCO Matheus Nachtergaele, Paolla Oliveira e Milhem Cortaz
    PRODUÇÃO Brasil, 2014, 12 anos
    AVALIAÇÃO bom

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