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    Crítica: Vida é obra de arte em 'Saint Laurent'

    CÁSSIO STARLING CARLOS
    CRÍTICO DA FOLHA

    13/11/2014 02h20

    "Saint Laurent - Estilista e Mártir" poderia ser o título da segunda produção francesa a tematizar o mítico criador da marca YSL.

    Escolhido como representante da França e forte candidato a uma vaga entre os cinco finalistas na categoria de filme estrangeiro no próximo Oscar, o longa dirigido por Bertrand Bonello usa apenas o sobrenome do estilista no título para se distinguir do caricatural "Yves Saint Laurent", exibido nos cinemas em abril.

    Escolha decisiva, pois a palavra "saint" ("santo", em francês) é a antítese do percurso de sexo, drogas e trasbordante narcisismo que o filme mostra. E, no entanto, se confunde com o martírio, o sacrifício a um ideal que permitiu ao estilista construir um império ao custo de muita autodestruição.

    Divulgação
    Gaspard Ulliel, ao fundo, de branco, como Yves Saint Laurent
    Gaspard Ulliel, ao fundo, de branco, como Yves Saint Laurent

    FÓRMULA

    Em vez de seguir a fórmula pronta de ascensão e queda, Bonello perverte as regras das cinebiografias, despreocupando-se da fidelidade para poder fazer de seu Saint Laurent um personagem.

    No primeiro diálogo, o vemos de costas e em contraluz ao se registrar num hotel com o nome de Swann, referência ao protagonista do primeiro volume de "Em Busca do Tempo Perdido", de Marcel Proust, e também um jogo de palavras com "swan", que em inglês designa "cisne", o ex-patinho feio cujo canto derradeiro torna indistintas a tristeza e a beleza.

    Esta ideia que, no fim das contas, é um dos motores da moda não poderia deixar de estar no centro das atenções de "Saint Laurent".

    O filme de Bonello reconstitui coleções, encena magnificamente um desfile ao final e mostra o estilista em seu apartamento-museu cercado por arte.

    Mas esta fascinação pela beleza é também mórbida, está nas formas perfeitas extraídas do fluxo da vida, que afinal a consome e a degrada.

    VISCONTI

    Nesta obsessão de transformar a vida em obra de arte, "Saint Laurent" se aproxima de "Ludwig", o rei da Baviera que o cineasta italiano Luchino Visconti filmou em seu fascínio pela decadência.

    Com o golpe de gênio de escolher Helmut Berger para encarnar Saint Laurent na velhice, Bonello não apenas flerta com o cinema de Visconti, do qual Berger foi amante e ícone.

    Ao filmar o ator hoje mumificado assistindo a sua beleza intacta numa tela de TV, é a eterna obsessão pela supressão do tempo e da morte que Bonello atualiza com a delícia da crueldade.

    SAINT LAURENT
    DIREÇÃO Bertrand Bonello
    ELENCO Gaspard Ulliel e Louis Garrel
    PRODUÇÃO França/Bélgica, 2014, 16 anos
    AVALIAÇÃO ótimo

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