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    Diretor se firma no cinema e na arte questionando noção de autoria

    GUILHERME GENESTRETI
    SILAS MARTÍ
    DE SÃO PAULO

    16/11/2014 02h00

    Quando Gabriel Mascaro entra em cena como um estranho cientista em seu filme "Ventos de Agosto", o cineasta e artista visual parece fazer uma confissão. Pela primeira vez, ele se mostra como autor do que está sendo retratado.

    Isso porque Mascaro, que acaba de estrear seu primeiro longa, havia se firmado até aqui com obras que diluem as noções de autoria.

    Em "Doméstica", filme com que venceu um prêmio no festival Videobrasil no ano passado, o artista pernambucano deu câmeras a jovens do Recife para que retratassem empregadas que trabalham em suas casas e depois editou o material bruto criado por eles.

    Alan Marques/Folhapress
    O cineasta pernambucano Gabriel Mascaro, que está com uma obra na Bienal de São Paulo
    O cineasta pernambucano Gabriel Mascaro, que está com uma obra na Bienal de São Paulo

    Sua obra na Bienal de São Paulo, em cartaz até dezembro, também gerou polêmica por usar imagens que Mascaro, 31, alega terem sido feitas por policiais durante as manifestações que varreram o país (leia no texto ao lado).

    Essas obras de forte pegada política e ousadia formal alçaram o diretor a uma posição de destaque na arte e no cinema ao mesmo tempo, fazendo dele um caso raro de artista no país que transita com sucesso entre as duas esferas.

    "Desde o surrealismo me parece importante perceber o cinema como uma fronteira que já está borrada", diz Mascaro. "Pintores surrealistas fizeram filmes e diretores de cinema pintaram quadros."

    Mascaro, no entanto, está longe de pintar quadros. Sua estratégia tem sido embaralhar realidade e ficção para fundar um novo tipo de representação, muito alinhado com a rebeldia da atual safra do cinema pernambucano.

    "Ele é um representante desse novo cinema", diz Solange Farkas, diretora do Videobrasil. "O Gabriel transita entre cinema e arte com muita destreza e sensibilidade."

    Diretores do Recife de quem Mascaro foi assistente no início da carreira, aliás, elogiam sua hiperatividade. "Tudo o que eu precisava ele já tinha nas mãos", diz Cláudio Assis, de "Baixio das Bestas".

    "Era um caxias. Trabalhava muito, organizava tudo", diz Marcelo Gomes, de "Cinema, Aspirinas e Urubus", que nota em Mascaro um "olhar político, mas poético".

    BELEZA PELA BELEZA

    Também chama a atenção dos críticos o grau de invenção em sua obra, mesmo em trabalhos mais documentais.

    "Não é tanto por ele trabalhar imagens que não são dele", diz Pablo Lafuente, um dos curadores da Bienal, sobre as obras de Mascaro. "É como ele questiona a relação com o fazer das imagens."

    "Ele dialoga com as artes plásticas de forma orgânica", diz o diretor Marcelo Pedroso, que estudou com Mascaro. "Quando assume um personagem no próprio filme, ele desarticula as imagens, colocando em xeque uma representação mais naturalista."

    Mascaro, de fato, abusa da beleza das paisagens e dos corpos de seus atores no novo longa, em que narra como um vilarejo litorâneo é aos poucos tragado pela força do mar e dos ventos. Mas essa estratégia não agrada a todos.

    "Ele pensa em imagens, só que elas são de beleza pela beleza", diz o crítico Sérgio Alpendre, sobre o filme que recebeu menção honrosa no último Festival de Locarno. "Parece que não existe um pensamento dele por trás."

    Na opinião de Alpendre, Mascaro faz um cinema "para agradar festivais". "Nem sei se é consciente, pode ser insegurança ou incapacidade de transcender fórmulas."

    "Ventos de Agosto"

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