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    Crítica: No livro de Chico, não há palavra mal escolhida nem frase fora do ritmo

    MARCELO COELHO
    COLUNISTA DA FOLHA

    15/11/2014 02h05

    Mesmo se não tivesse assinado nenhuma música, Chico Buarque já teria, a esta altura, lugar de destaque na cultura brasileira. "O Irmão Alemão" é o quinto romance que publica, depois de "Estorvo" (1991), "Benjamim" (1995), "Budapeste" (2003) e "Leite Derramado" (2009).

    Como nos livros anteriores, encontram-se aqui as qualidades do Chico Buarque escritor. Não há nenhuma palavra mal escolhida, nenhuma frase fora do ritmo, nenhum parágrafo a que falte estrutura ou concatenação, nenhum capítulo que não acabe no momento certo.

    De novo, um tom de ironia uniforme, sem tiradas nem saliências, domina a narração, que administra surpresas sem que tudo pareça um truque. O entrecho, sem ter a sofisticação de "Benjamim", é bastante satisfatório.

    Reprodução
    Sergio Günther, o irmão alemão de Chico Buarque, em programa de TV na antiga Alemanha Oriental
    Sergio Günther, o irmão alemão de Chico Buarque, em programa de TV na antiga Alemanha Oriental

    No começo, pensei que se havia montado uma armadilha óbvia em torno da procura empreendida pelo narrador. O filho do intelectual Sergio Hollander descobre, entre os livros do pai, a carta de uma amante alemã, datada do começo dos anos 1930.

    A mulher engravidara do brasileiro, e reproduções de cartas aparecem no livro, de modo a indicar –como se não bastasse a semelhança dos nomes– que se trata do pai real de Chico, Sérgio Buarque de Holanda, o genitor da tal criança alemã.

    Os problemas e as qualidades de "O Irmão Alemão" surgem a partir da transparente película ficcional com que o autor quis revestir o episódio biográfico de seu pai. De um lado, a tensão narrativa ganha bastante com o recurso. Enquanto o narrador sai em busca da antiga amante do pai e do filho que ela teve, o leitor continua se perguntando, até chegar ao fim do livro, se tudo aquilo é realidade mesmo ou pura invenção.

    Entretanto, esse mesmo recurso termina revelando os limites de Chico Buarque como ficcionista. Tanto ou mais do que em "Budapeste" e "Leite Derramado", os personagens da história carecem de vida própria.

    A mãe do narrador, que não se confunde com a mãe de Chico, tem as características estereotipadas de uma italiana que cozinha lasanhas e exclama "Mamma mia!". Sergio Hollander resume-se a uma sombra que lê, fuma e tosse ("duas vezes", como simbolicamente especifica o narrador) em seu gabinete.

    O Irmão Alemão
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    Talvez esse esquematismo dos personagens faça parte do plano. Às voltas com os livros, Hollander mal toma conhecimento do narrador –para nada dizer do irmão alemão–, preferindo outro filho, que, como tantos outros personagens de Chico, será vitimado pela ditadura militar.

    Dois traumas políticos distintos —o brasileiro e o da Alemanha nazista— se equilibram na história, criando uma simetria talvez arriscada, que o autor prefere não explorar diretamente.

    A sutileza do toque pode parecer, entretanto, sinal de certa pressa em terminar o livro. Faltam alguns momentos de respiro, de contemplação e reflexividade na escrita, sempre inteligente e bem construída, de Chico Buarque. As palavras estão perfeitas; a música de "O Irmão Alemão", contudo, deixa a desejar.

    AVALIAÇÃO bom

    Editoria de Arte/Folhapress
    Lydia Megumi/Editoria de Arte/Folhapress

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