Seja como protesto ou como exaltação, o tema racial não está espalhado na produção musical brasileira. Para o historiador Douglas Belchior, ativista do movimento negro, o assunto ainda está concentrado em nichos.
"O Brasil é um país estruturalmente racista. E no campo da música é a mesma coisa."
Assim como Belchior, militantes como a editora da revista "Raça Brasil" Fernanda Alcântara defendem que a expansão do tema esbarra numa herança cultural discriminatória.
"Essa música é mais divulgada na periferia porque é onde tem mais negros. E isso se deve ao processo histórico [da escravidão]", diz ela.
A cantora Negra Li, que iniciou a carreira no grupo de rap RZO e depois seguiu solo com discos de pegada black music, afirma que "a música negra é subestimada". "Fora pagode e samba, o resto, para ganhar dinheiro, é bem difícil."
Adriano Vizoni/Folhapress | ||
A cantora Ellen Oléria, em ensaio com a Orquestra Jazz Sinfônica |
Já Ferréz, escritor do Capão Redondo, diz que o padrão de sucesso propagado na TV é "esbranquiçado", o que coloca o negro como um assunto à parte. Ele critica os músicos que seguem tendências estrangeiras e pede a valorização das raízes culturais locais.
"Vira e mexe vem uma música tradicional como a do Calypso e domina tudo, porque é diferente, autêntica", diz ele, em referência ao grupo de tecnobrega do Pará. "A menina que tenta dançar como a Beyoncé não vai mudar nada. O negro americano está em outro patamar. Ele é diferente do negro brasileiro."
Belchior concorda, lembrando que, nos EUA, os negros conquistaram espaço em diversos setores na sociedade durante o período de lutas por direitos civis, nos anos 1960.
Ele defende uma exposição mais equânime da produção cultural. "A sociedade é diversa, mas o espaço de poder não. Se não impormos a política de cotas como um direito, não vamos estar nunca nesse espaço. É um fortalecimento para que isso seja normal, e não uma concessão", afirma.
ALÉM DO GUETO
Além dos Racionais MC's, que ganharam popularidade além do gueto cantando sobre opressão racial e social em letras de contestação, um exemplo recente de artista que trata o assunto e conseguiu sair da "música de nicho" é a cantora Ellen Oléria, vencedora da primeira edição do reality show "The Voice", da Globo.
Alcântara exalta a brasiliense como um "exemplo da nova geração, que utiliza a base africana para repaginar o protesto pela musicalidade".
Apesar dos poucos nomes neste cenário atual, a editora enxerga avanços. "O racismo tem sido muito colocado em discussão. As pessoas começam a entendê-lo melhor."