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    Alcance da questão racial na MPB esbarra em legado discriminatório

    PAULO GOMES
    DE SÃO PAULO

    20/11/2014 02h20

    Seja como protesto ou como exaltação, o tema racial não está espalhado na produção musical brasileira. Para o historiador Douglas Belchior, ativista do movimento negro, o assunto ainda está concentrado em nichos.

    "O Brasil é um país estruturalmente racista. E no campo da música é a mesma coisa."

    Assim como Belchior, militantes como a editora da revista "Raça Brasil" Fernanda Alcântara defendem que a expansão do tema esbarra numa herança cultural discriminatória.

    "Essa música é mais divulgada na periferia porque é onde tem mais negros. E isso se deve ao processo histórico [da escravidão]", diz ela.

    A cantora Negra Li, que iniciou a carreira no grupo de rap RZO e depois seguiu solo com discos de pegada black music, afirma que "a música negra é subestimada". "Fora pagode e samba, o resto, para ganhar dinheiro, é bem difícil."

    Adriano Vizoni/Folhapress
    A cantora Ellen Oléria, em ensaio com a Orquestra Jazz Sinfônica
    A cantora Ellen Oléria, em ensaio com a Orquestra Jazz Sinfônica

    Já Ferréz, escritor do Capão Redondo, diz que o padrão de sucesso propagado na TV é "esbranquiçado", o que coloca o negro como um assunto à parte. Ele critica os músicos que seguem tendências estrangeiras e pede a valorização das raízes culturais locais.

    "Vira e mexe vem uma música tradicional como a do Calypso e domina tudo, porque é diferente, autêntica", diz ele, em referência ao grupo de tecnobrega do Pará. "A menina que tenta dançar como a Beyoncé não vai mudar nada. O negro americano está em outro patamar. Ele é diferente do negro brasileiro."

    Belchior concorda, lembrando que, nos EUA, os negros conquistaram espaço em diversos setores na sociedade durante o período de lutas por direitos civis, nos anos 1960.

    Ele defende uma exposição mais equânime da produção cultural. "A sociedade é diversa, mas o espaço de poder não. Se não impormos a política de cotas como um direito, não vamos estar nunca nesse espaço. É um fortalecimento para que isso seja normal, e não uma concessão", afirma.

    ALÉM DO GUETO

    Além dos Racionais MC's, que ganharam popularidade além do gueto cantando sobre opressão racial e social em letras de contestação, um exemplo recente de artista que trata o assunto e conseguiu sair da "música de nicho" é a cantora Ellen Oléria, vencedora da primeira edição do reality show "The Voice", da Globo.

    Alcântara exalta a brasiliense como um "exemplo da nova geração, que utiliza a base africana para repaginar o protesto pela musicalidade".

    Apesar dos poucos nomes neste cenário atual, a editora enxerga avanços. "O racismo tem sido muito colocado em discussão. As pessoas começam a entendê-lo melhor."

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