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    Crítica: Livro sobre De Niro é para quem gosta de cinema

    CÁSSIO STARLING CARLOS
    CRÍTICO DA FOLHA

    25/11/2014 02h35

    "Caro Robert, não me lembro de ter sido tão humilhado por um ator americano num ano. Bem, você fez isso comigo além da conta. Nada tenho a acrescentar."

    O breve bilhete enviado por Paul Newman (1925-2008) a Robert De Niro após assistir ao trabalho dele em "Touro Indomável" no final de 1980 dá a dimensão do respeito imposto pelo ator em meio à mesma geração de Al Pacino, Dustin Hoffman, Jack Nicholson, Jon Voight e Robert Duvall, entre outros hoje mais esquecidos.

    Esta e outras centenas de histórias fornecem robustez a "De Niro: A Life", biografia assinada pelo jornalista e crítico Shawn Levy e recém-lançada nos Estados Unidos.

    Como em "King of Comedy: The Life and Art of Jerry Lewis" (1997) e "Paul Newman - Uma Vida" (2009, publicado no Brasil pela editora Agir), a abordagem de Levy não prioriza conteúdos que poderiam atrair mais o leitor ávido por fofocas.

    Reprodução
    Licença para dirigir táxis usada pelo ator Robert De Niro durante preparação do personagem Travis Bickle, de 'Taxi Driver
    Licença para dirigir táxis usada pelo ator Robert De Niro durante preparação do personagem Travis Bickle, de 'Taxi Driver'

    Mesmo que seja "tecnicamente uma biografia não autorizada", como assume o autor, Levy opta pela máxima discrição quando trata de questões da intimidade, como a preferência sexual por mulheres negras ou as experiências com drogas.

    Já quem gosta de cinema e, em particular, dos filmes, grandes ou pequenos, estrelados por De Niro em mais de 50 anos de atuação, encontra uma orgia de informações nas mais de 600 páginas do volume.

    Mais que um punhado de anedotas, a experiência de Levy como crítico de cinema foca a vida de De Niro como parte do processo de emergência da Nova Hollywood, a fase da década de 1970 em que jovens cineastas ganharam status de autores e puderam dar a temas adultos um tratamento formal raro no âmbito da indústria.

    Além de Coppola, Scorsese, Michael Cimino e Brian De Palma, De Niro atuou sob a direção de Elia Kazan, Bertolucci e Sergio Leone no período de maior nobreza de sua carreira.

    Junto a este aval, seus dois Oscar de melhor ator e cinco indicações só o deixam abaixo de Jack Nicholson em prêmios da Academia, entre seus companheiros de geração.

    Com a ajuda da pinta no lado direito da face, marca que desde cedo fez dele um tipo inconfundível, De Niro nunca se contentou com a psicologia para tornar suas atuações mais que memoráveis.

    Seguidor do conceito de ator-camaleão, ele se impôs dietas e treinos, aprendeu dialetos e tirou licença para dirigir táxis, perambulou pelo lado selvagem da Nova York da década de 1970 e frequentou bares de metalúrgicos de Ohio para apreender a peculiaridade de seu comportamento.

    Impressionado com a disciplina e sua necessidade de se aprofundar no ato de representar, o cineasta Sergio Leone, que o dirigiu no monumental "Era Uma Vez na América", resumiu a arte de De Niro: "Bobby, antes de tudo, é um ator. Clint [Eastwood], antes de tudo, é uma estrela. Bobby sofre; Clint boceja".

    TRECHO

    "Em "O Poderoso Chefão 2", De Niro, em certo sentido, usurpou o lugar de Brando. Ele só se parece ligeiramente com o personagem quando velho, mas tem a mesma voz rascante e muito da linguagem corporal. Contudo, mais que qualquer outra coisa, ele tem a postura de Brando.

    Em cerca de 45 minutos de projeção, De Niro sugeriu como um dos mais memoráveis personagens da historia do cinema passou de balconista a chefão da máfia e ele faz isso não por meio da projeção no futuro, mas extraindo de si as sementes do velho homem na juventude e deixando-as germinar de um modo que o público possa ver.

    DE NIRO - A LIFE
    AUTOR Shawn Levy
    EDITORA Crown Archetype
    QUANTO cerca de R$ 59 (importado)
    AVALIAÇÃO ótimo

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