• Ilustrada

    Tuesday, 07-May-2024 03:26:59 -03

    Mostra em Paris destaca pintura de Duchamp

    SILAS MARTÍ
    EM PARIS

    28/11/2014 02h20

    Quando Marcel Duchamp decidiu expor um urinol como obra de arte ou desenhou um bigodinho numa cópia da "Mona Lisa", de Da Vinci, o artista francês, morto aos 81, em 1968, entrou para a história como um demolidor impiedoso da arte clássica.

    Mas seu espírito iconoclasta e sua fama cristalizada de algoz da pintura não passam de um mito, pelo menos na visão de uma grande exposição em cartaz até janeiro no Centro Pompidou, em Paris.

    Na mostra, Duchamp é revisto como um grande crítico da arte de seu tempo, um pintor indeciso que entrou para várias correntes estéticas –como o fauvismo, o cubismo e o futurismo– e depois largou tudo para criar representações "mecânicas e viscerais".

    Divulgação
    "Nu Descendo a Escada", obra de Marcel Duchamp que esteve no Armory Show de Nova York há cem anos
    "Nu Descendo a Escada", obra de Marcel Duchamp que esteve no Armory Show de Nova York há cem anos

    Uma réplica de seu "Grande Vidro", uma pintura de estranhas engrenagens sobre fundo transparente criada entre 1913 e 1923, é o ponto culminante da exposição.

    Essa alegoria robótica, representando uma noiva casta em tempos de libido animal, parece ter sido o auge de sua desconstrução da pintura.

    De fato, todas as obras que vêm antes estão ali para pontuar como Duchamp arquitetou uma linguagem visual e aos poucos foi desestruturando as próprias ideias, num expurgo da figuração para desbancar as formas que seduzem o olhar, ou seja, sua tentativa de aposentar a pintura que chamava de "retiniana".

    alquimia das formas

    Nesse sentido, o artista ressurge agora como uma espécie de alquimista, capaz de misturar o impressionismo de Manet e Cézanne, os experimentos fotográficos com figuras em movimento e os arroubos mecânicos dos futuristas italianos para fundar uma nova ordem plástica, que fosse amorfa, enigmática e iconoclasta por natureza.

    Mas o Duchamp do bigodinho na "Mona Lisa" e do urinol não teria existido sem antes um mergulho de cabeça nos experimentos dos impressionistas e dos cubistas.

    Em seus escritos, Duchamp confessa profunda admiração por Cézanne, que dividiu a natureza em cones, cilindros e esferas, mas também queria as cores vibrantes de Matisse, as formas mecânicas de Léger e um cubismo mais intuitivo e menos teórico ou analítico que o de Picasso.

    Seu "Nu Descendo uma Escada", a famosa tela que mostra uma silhueta repetida como se flagrada em movimento, está agora no Pompidou como exemplo poderoso de seu afastamento dos cubistas linha-dura e uma aproximação dos futuristas italianos.

    Quando pintou essa tela, Duchamp já estava apaixonado pelas formas mecânicas, em especial a beleza de uma hélice de avião, que viu no Salão da Aeronáutica de 1912.

    Um passeio de automóvel conversível também ajudou a selar sua obsessão pela visão de corpos em movimento que se fundem às máquinas.

    Depois de pintar um moedor de café e uma série de outras máquinas com as tonalidades esmaecidas dos cubistas e a exuberância dos volumes de Léger, Duchamp estava pronto para criar o "Grande Vidro" –seu manifesto por uma pintura avessa à apreciação por "olhos estéticos".

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024