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    Crítica: Com trama intencionalmente simples, livro é original por linguagem reflexiva

    NOEMI JAFFE
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    30/11/2014 02h05

    No livro "De verdade", Sándor Márai faz com que quatro narradores contem versões diferentes de um adultério. O título, assim, assume conotação irônica, já que a "verdade" nunca é mais do que apenas uma forma de enxergar o real.

    Em "Anel de Vidro", de Ana Luisa Escorel, também há quatro vozes e quatro visões distintas de um adultério.

    Mas o título, aqui, no lugar de ironizar a verdade, atenta, de forma mais grave, para a falsidade das relações e para a fragilidade das versões. "O anel que tu me deste era vidro e se quebrou", diz a canção.

    Quatro personagens sem nome –o que já diz muito sobre sua função como tipos comuns – alternam a narração de um caso vulgar: mulher se apaixona por chefe que, seduzido, abandona mulher e filhos e se sente culpado.

    A originalidade do romance não se concentra na trama, intencionalmente simples, mas na linguagem reflexiva de um narrador onisciente, assim como no problema do significado dos pontos de vista.

    Porém, talvez justamente em função da onisciência intrusa desse narrador hiper pensante, a narrativa ganha certa artificialidade.

    A dinâmica que poderia ser conferida à voz própria dos personagens dá lugar, em vários momentos, a uma espécie de teorização sobre suas ações, como no trecho: "Situação conveniente para qualquer caráter mal conformado se insinuar fantasia adentro, como volta e meia fazia a advogada à cata de relações assimétricas (...)".

    Simultaneamente, o vocabulário acaba excedendo o fluxo narrativo e provoca a mesma sensação de um artifício que se sobrepõe às vozes e ao caráter dos personagens.

    É como se eles existissem a seu serviço, mais como marionetes do que como vidas autônomas.

    É evidente o domínio da autora sobre detalhes, redes narrativas, vozes diferenciadas e reflexão subjetiva. A própria história, pelas personalidades que constrói, cativa o leitor.Mas um narrador menos controlador talvez permitisse que esse "anel de vidro" se espatifasse em ainda mais pedaços.

    ANEL DE VIDRO
    AUTOR Ana Luisa Escorel
    EDITORA Ouro sobre Azul
    QUANTO R$ 34 (192 págs.)
    AVALIAÇÃO bom

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