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    Opinião: Moser não reconhece inovação na modéstia de Brasília

    RAUL JUSTE LORES
    DE WASHINGTON

    08/12/2014 02h04

    Ao falar da arquitetura de Niemeyer, Benjamin Moser soa conservador. Reclama que seus prédios "parecem muito menores e menos impressionantes ao vivo", "pequenos para a paisagem que procuram liderar".

    Alguns parágrafos antes, elogia a arquitetura monumental de Washington: seus prédios "têm presença, glamour, nível de detalhe e refinamento".

    Mas é justamente na modéstia dos edifícios de Brasília que Niemeyer inova na iconografia do poder. Entram rampas no lugar de escadarias para alpinistas, vidros do chão ao teto em vez de janelas pequenas, coloca o Palácio do Planalto, o da Justiça, o Supremo ou mesmo o Alvorada próximos do chão, quase transparentes.

    Não são fortalezas herméticas como a Cidade Proibida, o Kremlin ou o Pentágono. Os "artifícios visuais extravagantes" associados às fachadas, que Moser desdenha como "projetados para dar aparência de originalidade" são, de fato, formas originais, não gárgulas ou cacarecos comuns em palácios.

    IDEAL DE PODER

    A "presença" dos prédios de Washington são a enésima releitura do ideal clássico de poder, greco-romano. O nível de detalhe é repetição.

    Ao falar que a obra de Niemeyer lembra o "namorico" do ditador coreano Kim Il Sung com a Cientologia, Moser dá um peso totalitário que as pequenas e envidraçadas obras brasilienses não têm. Até o Congresso, o único prédio que se impõe na paisagem do Eixo Monumental, é longilíneo e acessível por rampas. Qualquer foto de Pyongyang revela o exagero da comparação.

    O Capitólio de Washington, o Parlamento britânico e o Congresso argentino lembram que as democracias também usam a arquitetura monumental para expressar o poder de suas instituições.

    Moser soa mais contemporâneo e urgente ao falar do urbanismo de Brasília, cujos fracassos ainda são sussurrados no Brasil. Nosso horror ao debate e reverência ao mainstream blindam tudo.

    O escritor fala da necessidade de se pegar um táxi para atravessar uma avenida da capital, de bairros monotemáticos, como o setor hoteleiro, da pouca densidade, enquanto milhões se apinham em favelas distantes. Nos anos 50, o carro ainda era liberador e o Plano Piloto o privilegia.

    Brasília, ironicamente, repete o padrão da maior parte das cidades americanas (menos a arquitetura ambiciosa): prédios públicos em uma área central e subúrbios para ricos e pobres ao longe, onde o carro é rei.

    URBANISMO PRÉ-CARRO

    Ao elogiar as coloniais Parati, Ouro Preto e Olinda como "aconchegantes", Moser exalta o urbanismo pré-carro. Mas elas conseguiriam abrigar milhões de habitantes?

    Nenhuma grande cidade brasileira do século 20 conseguiu ser tão melhor assim que Brasília, sem áreas centrais para os mais ricos e pobres empilhados na periferia, como até o Minha casa, minha vida perpetua.

    Continuamos a fazer torres de escritórios de um lado, bairros residenciais no outro (ambos ociosos na maior parte do dia), e um congestionamento infernal no meio.

    Indiretamente, Moser nos relembra da incompetência de governos variados e do mercado imobiliário em saber fazer um tudo junto misturado, décadas depois do fim do sonho modernista.

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