• Ilustrada

    Wednesday, 08-May-2024 03:46:15 -03

    Sem planos de lançamento, Sony deixa 'A Entrevista' em um limbo

    RODRIGO SALEM
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE LOS ANGELES

    19/12/2014 02h00

    No dia em que o presidente Barack Obama anunciou a retomada das relações diplomáticas dos Estados Unidos com Cuba, os americanos sentiram um ataque estrangeiro inédito à sua liberdade de expressão.

    Nesta quarta-feira (17), a Sony Pictures anunciou o cancelamento da estreia mundial de "A Entrevista", comédia com Seth Rogen ("Superbad") e James Franco ("Oz "" Mágico e Poderoso"), após ameaças de um grupo de hackers autointitulado Guardiões da Paz.

    Nunca uma superprodução hollywoodiana, no caso de US$ 42 milhões (cerca de R$ 114,4 milhões), correu o risco de ir ao lixo pelo próprio estúdio por causa de exigências de criminosos internacionais.

    Kevork Djansezian/Reuters
    Cinema em Los Angeles é cercado por seguranças antes da pré-estreia do filme na última semana
    Cinema em Los Angeles é cercado por seguranças antes da pré-estreia do filme na última semana

    Os hackers, de acordo com relatórios passados à imprensa americana por investigadores, agiram em nome do governo da Coreia do Norte em retaliação à trama do filme, que mostra um plano para matar o ditador do país, Kim Jong-un.

    O governo americano, contudo, informou que ainda estuda "uma variedade de opções" e ainda não responsabilizou ninguém pelo ataque.

    A Folha estava indicada para participar das entrevistas com o ator e diretor Seth Rogen, em Los Angeles. Mas o evento para a imprensa internacional foi cancelado dez dias depois que os hackers invadiram o sistema da Sony, em 24/11, e passaram a revelar salários de atores e executivos do estúdio, vazar filmes inteiros ("Corações de Ferro") e inéditos ("Annie") e divulgar e-mails particulares entre diretores da empresa.

    Apesar de ter anunciado o cancelamento da estreia mundial do filme "A Entrevista", o estúdio Sony Pictures "bancou" o lançamento da comédia até o último domingo (14). A ordem era resistir às ameaças de hackers que vêm vazando informações da empresa.

    No domingo, no entanto, o grupo de hackers, conhecido pelo nome Guardiões da Paz, enviou uma mensagem mais séria ao estúdio, invocando o 11 de Setembro e ameaçando os cinemas que exibissem a comédia.

    Na quarta (17), as cinco maiores redes de cinema dos EUA decidiram não passar o filme no Natal. Não demorou e a Sony divulgou um comunicado cancelando o lançamento de vez e se dizendo "profundamente entristecida por esse esforço de suprimir a distribuição de um filme e, no processo, causar danos à empresa, nossos empregados e ao público americano".

    Conforme e-mails obtidos pelo site The Daily Beast, executivos da Sony trocaram mensagens com representantes do governo dos EUA para tomar a decisão de cancelar.

    Até mesmo sessões promovidas pelo estúdio antes da estreia foram canceladas em cima da hora. A reportagem estava com convites para uma exibição na quarta (17) à noite em Los Angeles. O evento foi cancelado quatro horas antes, por e-mail. "Um bom número de cinemas tomou a decisão de não mostrar o filme e, como resultado, estamos cancelando a sessão especial", dizia o aviso.

    DESABAFO

    Apesar de o político republicano Mitt Romney sugerir lançar a comédia "globalmente de graça", a Sony anunciou que não tem planos para o filme em qualquer formato, basicamente deixando "A Entrevista" em um limbo. No Brasil, ele deveria estrear em 29 de janeiro.

    A comunidade artística não reagiu bem à decisão e foi ao Twitter desabafar. "Os bandidos venceram", escreveu a atriz Mia Farrow. "Um ato não-americano de covardia que valida ações terroristas e abre um terrível precedente", reclamou o apresentador Jimmy Kimmel.

    Os ataques ciberterroristas acenderam uma luz nos outros estúdios. "Pyongyang", thriller com Steve Carell passado na capital norte-coreana, foi cancelado pela Fox.

    "Acho irônico que o medo esteja eliminando a possibilidade de contar histórias que retratam nossa habilidade de superar o medo", declarou o diretor do longa, Gore Verbinski, ao site Deadline.

    Seth Rogen, diretor de "A Entrevista", não havia falado sobre o cancelamento do seu filme até a conclusão desta edição, mas criticou a imprensa que ajudou a divulgar os vazamentos da Sony.

    "Acho foda como todo mundo está fazendo exatamente o que esses criminosos querem", disse ele, no programa do radialista Howard Stern. O roteirista Aaron Sorkin ("A Rede Social") tomou partido de Rogen: "Os desejos dos terroristas foram realizados em parte por membros facilmente distraídos da imprensa americana".

    Ironicamente, "A Entrevista" mostra Kim Jong-un (Randall Park) como uma figura excêntrica, que gosta de basquete –manda deixar as cestas baixas para que possa praticar enterradas– e de Katy Perry. É esse sujeito que os jornalistas vividos por Seth Rogen e James Franco precisam matar a serviço da CIA.

    Repleto de tiradas grotescas, o filme não convenceu a crítica americana que conseguiu vê-lo. "Se você está esperando por uma sátira política convincente, a piada será você", escreveu Richard Corliss, da "Time".

    Scott Mendelson, da revista "Forbes", resumiu toda a encrenca: "A Entrevista' não vale o preço que a Sony pagou".

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024