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    Romance de Peter Carey se inspira em Tocqueville para debater era Bush

    SYLVIA COLOMBO
    DE SÃO PAULO

    22/12/2014 02h00

    O australiano Peter Carey, 71, chegou aos EUA para viver há 25 anos. Construiu sua carreira como escritor, venceu o Booker Prize (com "Oscar e Lucinda" e "O Bando de Kelly Gang", ambos da ed. Record), maior prêmio da língua inglesa, e hoje dá aulas a jovens romancistas norte-americanos e acompanha apaixonadamente a vida política do país que adotou.

    Até aqui, porém, nunca, tinha se decidido a encarar um grande romance sobre os EUA. Em "Parrot e Olivier na América", lançado no Brasil agora pela Record, Carey monta um protagonista baseado na personalidade e nas viagens do pensador político e historiador francês Alexis de Tocqueville (1805-59), do clássico "A Democracia na América".

    Fred R. Conrad/The New York Times
    Intervenção sobre retrato do historiador francês Alexis de Tocqueville
    Intervenção sobre retrato do historiador francês Alexis de Tocqueville

    Na conversa por telefone com a Folha, desde Nova York, Carey conta que foi a "perspectiva do fascismo" dos anos Bush (2001-2009) que o levou a procurar respostas num diálogo literário com o personagem histórico.

    Amigo íntimo e colega mais velho de autores como o norte-americano Paul Auster, 67, e o britânico Ian McEwan, 66, Carey diz gostar muito de ler livros digitais e não se sentir especialmente apegado ao papel. Leia abaixo os principais trechos da conversa.

    Folha - Seu novo livro é um romance histórico?

    Peter Carey - Não! Romance histórico soa como algo que eu não gostaria de jeito nenhum de ler [risos]. A maioria dos livros que se rotula como romance histórico não passa de uma recriação sem sentido do passado. Quis levar ao século 19 perguntas do presente, e até mesmo do futuro. Se tivesse de dar um rótulo para este romance, seria "ficção científica do passado".

    Assim como o protagonista, você é um estrangeiro observando os EUA. Sentiu-se identificado com Tocqueville?

    O livro nasceu da leitura de "A Democracia na América" e de biografias de Tocqueville. Os norte-americanos gostam de pensar que ele era um esnobe aristocrata francês que se apaixonou pela experiência norte-americana. Isso é apenas parte da verdade. Ao ler seus escritos, fica claro que não foi um processo fácil nem rápido. Creio que de certo modo aconteceu comigo também. Então nesse sentido, sim, me identifico.

    O que diria Tocqueville se desembarcasse hoje nos EUA?

    Ele era aristocrata, um filho traumatizado da Revolução Francesa (1789). Cresceu numa casa cheia de sobreviventes da Revolução. A princípio, para ele, pensar em democracia, em massas participando, era algo aterrador.

    Quando eu estava lendo "A Democracia na América" e escrevendo este livro, os EUA eram governados por George W. Bush. Eu não deixava de pensar que aqueles acontecimentos eram exatamente o que Tocqueville mais temia. No fundo, em seus escritos, está desenhada a possibilidade do surgimento do fascismo, ou da aparição de personagens como Sarah Palin [política republicana].

    O sr. vota nos EUA?

    Parrot e Olivier na América
    Peter Carrey
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    Sim, e votei em Obama em 2008. Chorei de alegria com sua eleição, mas tenho que dizer que ele foi uma decepção.

    "Amnesia", seu 13º livro, recém-lançado nos EUA, também tem intensa trama política.

    É um drama contemporâneo cuja trama é a cyber-política, o jornalismo e as questões de privacidade com as quais nos debatemos. Vivemos numa era em que estamos jogando na rede imensas quantidades de informações para corporações talvez mais poderosas que os Estados. Não estamos imaginando que podemos viver num mundo de tirania em pouco tempo.

    O sr. dá aulas de escrita criativa, curso que se popularizou muito nos EUA, no Hunter College. Como avalia a eficácia?

    No começo sentia que desperdiçava um tempo que era meu e no qual poderia estar lendo clássicos. Depois descobri que engajar-se no projeto de outros escritores, mais jovens, pode ser igualmente rico. Hoje em dia gosto muito. Mas depende dos estudantes. Temos alguns premiados e boas revelações. Mas sempre acho que eles não deviam estudar em Nova York. Deviam achar um lugar mais chato, onde não acontecesse nada, e também mais barato.

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